28 de agosto de 2014
Jurisprudência: Direito empresarial e processual civil. Impossibilidade de utilização de crédito pertencente à sociedade anônima para garantir obrigação de sócio.
Não cabe bloqueio judicial de parte de crédito cobrado em execução judicial movida por sociedade anônima contra terceiro, na hipótese em que a decisão judicial que o determina é proferida em sede de ação cautelar movida por ex-cônjuge em face do outro ex-consorte, a fim de garantir àquele direito a ações da referida sociedade anônima, quando a participação acionária já se encontra assegurada por sentença com trânsito em julgado proferida em ação de sobrepartilha de bens sonegados. De fato, o reconhecimento posterior do direito à meação de cônjuge em relação às ações sonegadas traz como consequência natural apenas a possibilidade de assunção da condição de acionista da companhia, posição essa que não garante a ele, por si só, direito sobre créditos da pessoa jurídica em face de terceiros. Isso porque nenhum acionista tem direito de apossamento sobre créditos pertencentes à pessoa jurídica, a serem recebidos em ação ajuizada por esta em face de terceiros. Ressalte-se que, nos termos do que dispõe o art. 109, I, da Lei 6.404/1976 (Lei das Sociedades Anônimas), o que se garante ao acionista é a participação nos lucros sociais da companhia, participação essa que ocorre com o recebimento de dividendos, quando, na forma e no percentual estabelecidos pelo estatuto da sociedade. Aponte-se, ainda, que o direito à percepção dividendos é antecedido por procedimento de relativa complexidade, o que, em princípio, impede que tal direito (o recebimento de dividendos) seja decantado de forma singela de um crédito a ser recebido pela sociedade em ação própria ajuizada contra terceiros. Por outra ótica, mesmo que se buscasse os dividendos recebidos pelo outro ex-consorte relativamente às ações sonegadas, com mais razão o conflito não diria respeito à pessoa jurídica, que efetivamente pagara dividendos a quem figurava como acionista da companhia e não deu causa a possíveis ilegalidades – devendo eventuais prejuízos serem recompostos perante quem, eventualmente, recebeu de forma indevida os dividendos. De resto, a própria Lei das Sociedades Anônimas traz as formas de constituição de garantias incidentes sobre ações da companhia, o que, em princípio, seria suficiente ao acautelamento da eficácia da decisão proferida na sobrepartilha, que é a averbação do gravame nos livros próprios – livro “Registro de Ações Nominativas” ou nos livros da instituição financeira –, como prevê o art. 40, hipótese em que o direito de preferência sobre as ações seria oponível contra terceiros. Por outra linha de fundamentação, reconhecer a condição de acionista de ex-cônjuge, com direito a parcela das ações da companhia, e posteriormente determinar que o patrimônio da própria pessoa jurídica suporte o pagamento dos valores equivalentes ao que teria direito o acionista, implica reconhecer um direito de recesso ou retirada não previsto em lei, mediante uma espécie de dissolução parcial da sociedade, no tocante às ações sonegadas, o que contraria a própria essência das sociedades anônimas. Com efeito, a decisão que determinou à sociedade anônima o pagamento, com patrimônio próprio, dos valores a que faria jus o acionista em razão de ações de que é titular, procedeu, a toda evidência, a uma autorização de retirada ou recesso sem previsão legal, e isso tudo sem observância dos procedimentos mínimos de apuração em balanço especial e no bojo de ação na qual a pessoa jurídica não figurou como parte, circunstância que denuncia a extrapolação dos limites subjetivos da coisa julgada. REsp 1.179.342-GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/5/2014.
Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – N° 0544