21 de setembro de 2021
Informativo nº 0709 – Publicação: 20 de setembro de 2021
TERCEIRA TURMA
1 – Processo:REsp 1.726.577-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 14/09/2021.
Ramo do Direito:DIREITO CIVIL
Tema:Inventário e partilha. Comoriência entre cônjuges e descendentes. Colação ao inventário de valor em plano de previdência complementar privada aberta. Necessidade. Seguro previdenciário. Bem pertencente à meação da cônjuge igualmente falecida.
Destaque:O valor existente em plano de previdência complementar privada aberta na modalidade PGBL, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possui natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal ou da sucessão por não estar abrangido pela regra do art. 1.659, VII, do CC/2002.
Informações do Inteiro Teor
Inicialmente, para saber se o valor existente em previdência complementar privada aberta de titularidade do autor da herança deve ser colacionado, arrecadado e ao final partilhado também com os ascendentes de sua cônjuge igualmente falecida, é imprescindível que se examine previamente se o valor compunha, ou não, a meação da cônjuge por ocasião da dissolução do vínculo conjugal em razão do evento morte.
De início, anote-se que a hipótese em exame versa sobre previdência privada aberta, tratando-se de situação distinta da previdência privada fechada que foi objeto de exame por esta Corte, oportunidade em que se concluiu se tratar de fonte de renda semelhante às pensões, meio-soldos e montepios (art. 1.659, VII, do CC/2002), de natureza personalíssima e equiparável, por analogia, à pensão mensal decorrente de seguro por invalidez, razão pela qual não se comunicava com o cônjuge na constância do vínculo conjugal (REsp 1.477.937/MG, Terceira Turma, DJe 20/06/2017).
Com efeito, a previdência privada aberta, que é operada por seguradoras autorizadas pela SUSEP – Superintendência de Seguros Privados, pode ser objeto de contratação por qualquer pessoa física ou jurídica, tratando-se de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com amplíssima liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida.
Diante dessas feições muito próprias, a comunicabilidade e a partilha de valor aportado em previdência privada aberta, cuja natureza jurídica ora se assemelha a um seguro previdenciário adicional, ora se assemelha a um investimento ou aplicação financeira, é objeto de profunda divergência.
Como se percebe, os planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o VGBL e o PGBL, não apresentam os mesmos entraves de natureza financeira e atuarial que são verificados nos planos de previdência fechada e que são óbices à partilha, pois, na previdência privada aberta, há ampla flexibilidade do investidor, que, repise-se, poderá escolher livremente como e quando receber, aumentar ou reduzir contribuições, realizar aportes adicionais, resgates antecipados ou parcelados a partir da data que porventura indicar.
A natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é evidentemente marcante no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido da previdência pública e com o propósito de manter um determinado padrão de vida.
Entretanto, no período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, semelhantemente ao que ocorreria se os valores das contribuições e dos aportes fossem investidos em fundos de renda fixa ou na aquisição de ações e que seriam objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal ou da sucessão.
Na hipótese, tendo havido a comoriência entre o autor da herança, sua cônjuge e os descendentes, não havendo que se falar, pois, em sucessão entre eles, devem ser chamados à sucessão os seus respectivos herdeiros ascendentes.
Assim, é induvidosa a conclusão de que o valor existente em previdência complementar privada aberta de titularidade do autor da herança compunha a meação da cônjuge igualmente falecida, razão pela qual a sua colação ao inventário é verdadeiramente indispensável, a fim de que se possa, ao final, adequadamente partilhar os bens comuns existentes ao tempo do falecimento simultâneo.
2 – Processo:REsp 1.947.749-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 14/09/2021, DJe 16/09/2021.
Ramo do Direito: DIREITO CIVIL
Tema:Casamento celebrado sob a égide do CC/1916. Incapacidade de um dos cônjuges. Cessação. Modificação do regime de bens. Possibilidade.
Destaque:A cessação da incapacidade civil de um dos cônjuges, que impunha a adoção do regime da separação obrigatória de bens sob a égide do Código Civil de 1916, autoriza a modificação do regime de bens do casamento.
Informações do Inteiro Teor
A teor do § 2º do art. 1.639 do CC/2002, para a modificação do regime de bens, basta que ambos os cônjuges deduzam pedido motivado, cujas razões devem ter sua procedência apurada em juízo, sem prejuízo dos direitos de terceiros, resguardando-se os efeitos do ato jurídico perfeito do regime originário, expressamente ressalvados pelos arts. 2.035 e 2.039 do Código Civil.
O poder atribuído aos cônjuges pelo § 2º do art. 1.639 do CC/2002 de modificar o regime de bens do casamento subsiste ainda que o matrimônio tenha sido celebrado na vigência do Código Civil de 1916.
A melhor interpretação que se pode conferir ao referido dispositivo é aquela segundo a qual não se deve “exigir dos cônjuges justificativas exageradas ou provas concretas do prejuízo na manutenção do regime de bens originário, sob pena de se esquadrinhar indevidamente a própria intimidade e a vida privada dos consortes” (REsp 1.119.462/MG, Quarta Turma, julgado em 26/02/2013, DJe 12/03/2013).
Em situações em que o exame dos autos não revela aos juízos de primeiro e segundo graus – soberanos na apreciação das provas – qualquer elemento concreto capaz de ensejar o reconhecimento, ainda que de forma indiciária, de eventuais danos a serem suportados por algum dos consortes ou por terceiros, há de ser preservada a vontade dos cônjuges, sob pena de violação de sua intimidade e vida privada.
Assim, ante a previsão legal e a presunção de boa-fé que favorece os autores, desde que resguardado direitos de terceiros, a cessação da incapacidade de um dos cônjuges – que impunha a adoção do regime da separação obrigatória de bens sob a égide do Código Civil de 1916 – autoriza, na vigência do CC/2002, em prestígio ao princípio da autonomia privada, a modificação do regime de bens do casamento.
Saiba mais:
- Informativo de Jurisprudência n. 1E
- Informativo de Jurisprudência n. 399
- Informativo de Jurisprudência n. 518
- Informativo de Jurisprudência n. 695
QUARTA TURMA
3 – Processo:REsp 1.878.051-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/09/2021.
Ramo do Direito:DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Tema:Execução de título extrajudicial contra a Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM). Fomento de atividades desportivas. Repasses de recursos públicos. Afetação. Finalidade social. Impenhorabilidade.
Destaque:São impenhoráveis os recursos públicos recebidos por instituições privadas destinados exclusivamente ao fomento de atividades desportivas.
Informações do Inteiro Teor
Cinge-se a controvérsia a definir se, no âmbito de execução ajuizada em face da Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM), podem ser penhorados os recursos públicos recebidos pela devedora (instituição privada sem fins lucrativos) e destinados para aplicação exclusiva e integral em programas e em projetos de fomento do desporto nacional.
Recentemente, a Quarta Turma, ao apreciar o Recurso Especial 1.691.882/SP, tratou da hipótese de mitigação da tutela executiva, apontando o intuito do legislador (em juízo ex ante de ponderação e numa perspectiva de sociabilidade) de prestigiar os recursos públicos com desígnios sociais e, por conseguinte, salvaguardar o direito coletivo de sujeitos indeterminados favorecidos pelos investimentos nas áreas de educação, saúde ou assistência social.
De acordo com a doutrina, o inciso IX do artigo 833 do CPC de 2015 – que reproduziu o inciso IX do artigo 649 do CPC de 1973 – contempla hipótese de impenhorabilidade absoluta fundada no interesse público, que exibe elevado espírito social e se harmoniza com os princípios político-constitucionais contidos no artigo 1º da Carta Magna de 1988, os quais retratam os fundamentos do Estado brasileiro.
No entanto, o dinheiro originariamente público – mas objeto de repasse – integra o patrimônio das pessoas jurídicas de direito privado, assim a necessidade da definição da “origem” e da “finalidade” dos recursos para a incidência da regra de impenhorabilidade.
Assim, a doutrina ensina que a impenhorabilidade das verbas públicas – recebidas por pessoas jurídicas de direito privado, com destinação compulsória a finalidades específicas albergadas pela Constituição – caracteriza, “no plano técnico-processual, uma projeção da intangibilidade dos recursos do próprio ente de direito público que os transfere a tais instituições”.
Nessa ordem de ideias, as verbas públicas objeto de repasse para instituições privadas – com destinação especial atrelada à satisfação de tarefas públicas -, em razão dessa natureza, não se acham entregues à livre disposição da vontade de quem as possui e as administra, sobressaindo, inclusive, o dever de prestação de contas previsto no parágrafo único do artigo 70 da Constituição Federal.
Tal inferência não significa, decerto, uma blindagem de todo o patrimônio da pessoa jurídica de direito privado que receba verbas públicas atreladas compulsoriamente a uma destinação de cunho social. Isso porque os recursos públicos obtidos para fins de remuneração ou de contraprestação por serviços prestados, assim como os bens e os recursos privados (mesmo quando voltados a um desígnio social), continuarão sendo objeto de possível excussão forçada, por integrarem o patrimônio disponível da devedora obrigada.
Postas tais premissas, é certo que, para além do princípio da supremacia do interesse público, o dinheiro repassado pelos entes estatais – para aplicação exclusiva e compulsória em finalidade de interesse social – não chega sequer a ingressar na “esfera de disponibilidade” da instituição privada, o que constitui fundamento apto a justificar a sua impenhorabilidade não apenas por força do disposto no inciso IX do artigo 833 do CPC (que remete, expressamente, às áreas de educação, saúde e assistência social), mas também em virtude do princípio da responsabilidade patrimonial enunciado nos artigos 789 e 790 do mesmo diploma.
No caso, a natureza eminentemente pública das verbas – dadas a sua afetação a uma finalidade social específica estampada nos planos de trabalho a serem obrigatoriamente seguidos pela CBTM e a previsão dos deveres de prestação de contas e de restituição do saldo remanescente – torna evidente o fato de que a instituição privada não detém a disponibilidade das referidas quantias, as quais, por conseguinte, não se incorporam ao seu patrimônio jurídico para fins de subordinação ao processo executivo.