27 de março de 2007
Jurisprudência – Tribunal Regional do Trabalho – 3ª Região
EMENTA
PENHORA DE ALUGUEL DE IMÓVEL OBJETO DE USUFRUTO – CRÉDITOS TRABALHISTAS DE TRABALHADOR DOMÉSTICO. IMPENHORABILIDADE DE BEM DA FAMÍLIA. O artigo 1.º da Lei n.º 5.859, de 1972, preceitua que "ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, aplica-se o disposto nesta lei". Por sua vez, o artigo 3.º, inciso I, da Lei 8.009, de 1990, dispõe que a impenhorabilidade do bem de família é oponível em qualquer processo de execução, civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias. Neste sentido, uma vez que a execução nos autos diz respeito à dívida trabalhista contraída por um dos cônjuges, sendo que o débito resultou de uma prestação de serviço que se desenvolveu em benefício de toda a família, não podem os agravantes invocar a impenhorabilidade do bem de família para se eximirem das obrigações de cunho trabalhista. (TRT/MG 3ª Região – AP nº 00570-2006-099-03-00-0 – 3ª Turma – Juiz Rel. Bolívar Viégas Peixoto – DJ 02.12.2006)
ACÓRDÃO
Vistos os autos, relatado e discutido o presente agravo de petição interposto contra decisão proferida pelo MM.° juízo da 2.ª Vara do Trabalho de Governador Valadares em que figuram como agravantes MAURILO ALVES NOEL ALVES, ELISÉA BALTAR ALVES, MAURO ANTÔNIO ALVES, MARTA FONTES DE SOUZA ALVES, MARINA DA PENHA ALVES, MAURÍLIO ALVES FILHO, MÔNICA PEREIRA VIANA ALVES, CARLOS ROBERTO ALVES, LUCIANA FERREIRA DE PAULA, MAURÍLIO ALVES FILHO, JOANA D’ARC VALETIM ALVES, ROBSON ALVES, TÂNIA MARCIANA DE JESUS ALVES e ÂNGELA MARIA ALVES, e como agravados JAIRO DE CARVALHO MOURA e ODETE DAS NEVES ALVES (ESPÓLIO DE).
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de petição interposto pelos agravantes, nas f. 122/136, contra a r. decisão de f. 112/117, que julgou improcedentes os embargos de terceiro.
Inconformados, pretendem os agravantes a reforma da decisão agravada para que seja excluída a constrição judicial realizada nos autos de n.º 01813-2004-099-03-00-5.
Os agravados, apesar de terem sido intimados (f. 137-verso e 138), não apresentaram contraminutas ao agravo.
Procurações, nas f. 60/72, 79, 85 e 98/100.
Ficou dispensada a manifestação da douta Procuradoria Regional do Trabalho, conforme o artigo 82, II, da Resolução Administrativa n.° 127, de 2002.
É o relatório.
VOTO
JUÍZO DE CONHECIMENTO
Presentes os pressupostos objetivos e subjetivo de admissibilidade, conheço o agravo de petição interposto.
JUÍZO DE MÉRITO
PENHORA DE ALUGUEL – USUFRUTO – IMPENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA
Toda a discussão instaurada diz respeito à possibilidade de penhora de aluguel de bem imóvel que foi objeto de usufruto vitalício, conforme a certidão de registro de imóveis (f. 10).
Inconformados, pretendem os agravantes a reforma da decisão agravada para que seja excluída a constrição judicial realizada nos autos de n.º 01813-2004-099-03-00-5, que consiste na penhora de aluguel, conforme a cópia do auto de penhora de f. 12.
Dizem que o usufruto não pode ser transferido por alienação, conforme o artigo 1.393 do Código Civil de 2002.
Argumentam que os bens inalienáveis, no caso o usufruto, são absolutamente impenhoráveis, conforme o artigo 659, I, do CPC. Dizem que não podem ser penhorados os frutos e os rendimentos dos bens inalienáveis destinados a alimentos de pessoas idosas (artigo 650, I, do CPC).
Afirmam que "o único imóvel de propriedade dos agravantes, capaz de servir como moradia do usufrutuário ou de sua família, não pode sofrer constrição, sendo nítida a finalidade da Lei 8.009/90 de proteger a residência da entidade familiar e dar efetividade ao direito de moradia, garantido a todas as pessoas, em nível constitucional (art. 6º da CR/88)" (sic, f. 132).
Pedem, então, que se dê provimento ao apelo, para que seja desconstituída a penhora efetuada nos autos de n.º 01813-2004-099-03-00-5.
Não lhes assiste razão.
Ressalte-se, inicialmente, que a existência de usufruto judicial em favor do Sr. Maurílio Alves e da Sr.ª Odete das Neves Alves está devidamente comprovada nos presentes autos, em conformidade com a certidão de f. 10, que consiste em um imóvel residencial situado no Município de Governador Valadares-MG.
Frise-se, ainda, que na execução trabalhista movida por Jairo de Carvalho Moura contra o espólio de Odete das Neves Alves, autos do processo n.º 01813-2004-099-03-00-5, que tramita perante a 2.ª Vara do Trabalho de Governador Valadares, foi penhorado o bem descrito no auto de penhora f. 12, que consiste em aluguel do imóvel residencial, objeto do usufruto judicial.
Neste sentido, cumpre saber se isto impediria a penhora do bem sobre o qual recaiu o citado direito real.
Entendo que não se mostra possível a constrição judicial do imóvel pertencente ao agravante para a satisfação de débito do nu-proprietário, já que o referido bem está gravado em usufruto judicial.
É que o usufruto, em conformidade com a redação do artigo 1.393 do Código Civil, é inalienável, razão pela qual se lhe aplica a disposição do artigo 649, I, do Código de Processo Civil, no sentido de que são absolutamente impenhoráveis os bens inalienáveis.
Tratando-se, portanto, de bem que constitui objeto de usufruto judicial, na forma dos artigos 716 a 729 do CPC, não pode ser ele objeto de penhora.
Não se descarta, por outro lado, a possibilidade de que se proceda à penhora de seus frutos, ou melhor, dos rendimentos advindos do imóvel, como valores referentes ao aluguel do bem.
Isto, porque, conforme o artigo 1.393 do Código Civil, o exercício do usufruto pode ser cedido por título gratuito ou oneroso, admitindo a constrição judicial dos frutos advindos a partir desta cessão.
In casu, observa-se que a penhora é válida, tendo em vista que recaiu sobre o aluguel do imóvel, que é objeto do usufruto judicial.
Lado outro, ressalte-se que a impenhorabilidade do bem de família, conforme o artigo 3.º, inciso I, da Lei 8.009, de 1990, é oponível em qualquer processo de execução, civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se for movido em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias.
Desta forma, não há como invocar a impenhorabilidade do bem de família, nos termos expressos do artigo 3.º, inciso I, da Lei 8.009, de 1990, pois se trata de execução de dívida trabalhista contraída por um dos cônjuges, sendo que o débito resultou de uma prestação de serviço que se desenvolveu em benefício de toda a família, conforme a Lei n.º 5.859, de 1972.
Frise-se, ainda, que, nos termos do artigo 650, I, do CPC, não podem ser penhorados os frutos e os rendimentos dos bens inalienáveis destinados a alimentos destinados às pessoas idosas. No caso em tela, não há provas de que o cônjuge supérstite sobrevive da renda advinda do aluguel do imóvel residencial.
Diante disto, nego provimento.
AUSÊNCIA DE DISPOSITIVO DA R. SENTENÇA
Sustentam os agravantes que a r. decisão não contém a parte dispositiva, nos termos dos artigos 458 e 165 do CPC.
Equivocam-se os agravantes.
Em análise à r. sentença, constata-se que esta possui relatório, fundamentação e dispositivo, ou seja, restaram atendidas as disposições contidas na legislação vigente.
INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA LEGALIDADE
Aduzem os agravantes que houve ofensa ao princípio da legalidade, assegurado pelo artigo 5.°, II, da Constituição da República, tendo em vista que a decisão agravada pretendeu enquadramento não estabelecido em lei. Dizem que não há disposição legal no que concerne à seguinte fundamentação da r. decisão: "na execução, os bens do outro como todos os bens do grupo familiar respondem pelos débitos trabalhistas, isto porque toda a família se beneficia dos serviços prestados pelo doméstico".
Mas, não têm razão.
Não há que se falar em violação ao princípio da legalidade, porque o artigo 1.º da Lei n.º 5.859, de 1972, preceitua que "ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, aplica-se o disposto nesta lei".
Ademais disto, cumpre esclarecer que o juiz não está obrigado a rebater ponto por ponto as alegações feitas pelas partes, mas apontar suas razões de decidir, o que foi prontamente atendido.
Nego provimento.
COISA JULGADA EM RELAÇÃO A TERCEIROS
Argumentam os agravantes que não figuraram no pólo passivo da ação ajuizada pelo autor, razão pela qual afirmam que a sentença faz coisa julgada somente em relação às partes integrantes da lide, não beneficiando, nem prejudicando terceiros, conforme o artigo 472 do CPC.
Alegam que o artigo 472 do CPC determina que "todos responsáveis por um débito sejam citados para integrarem o feito na qualidade de litisconsórcio facultativo" (f. 129). Sustentam, ainda, que o cônjuge supérstite, que não foi citado em uma ação trabalhista, é considerado apenas terceiro. Dizem que cônjuge supérstite deve ser comparado ao preposto, por aplicação analógica à Súmula n.º 377 do colendo TST.
Sem razão, contudo.
Verifica-se que as alegações constituem em inovações recursais, porquanto não foram suscitadas em primeira instância. Ademais, não podem o cônjuge supérstite e os demais agravantes alegar serem terceiros estranhos à lide, ao argumento de que a ação trabalhista foi ajuizada somente contra um dos cônjuges, pois toda a família se beneficiou da prestação de serviço, sendo esta responsável pela dívida trabalhista, a teor da Lei n.º 5.859, de 1972. Não há que se falar, portanto, em litisconsórcio passivo, nem aplicação por analogia da Súmula n.º 377 do colendo TST.
Nego provimento.
CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA
Asseveram os agravantes que "não podem responder por débitos exeqüendos, visto que não teve a oportunidade de ser citado nos autos principais da reclamatória trabalhista para apresentar sua defesa, consoante alberga a Cara Maior, em seu dispositivo 5.º, incisos LIV e LV" (sic, f. 131). Diz que o Estatuto do Idoso, em seu artigo 4.º, confere ao cônjuge supérstite os direitos e as garantias legais.
Não têm razão.
Verifica-se que as alegações constituem em inovações recursais, porquanto não foram suscitadas em primeira instância. Mesmo que assim não fosse, como foi dito alhures, o trabalhador doméstico pode ajuizar a ação trabalhista contra qualquer membro da família, respondendo todos pelos débitos trabalhistas. Além do que, os agravantes exerceram seu direito de ação, tanto é que o fazem nestes autos, e também o contraditório e a ampla defesa, nos termos dos incisos XXXV e LV do artigo 5.º da CRF.
No que diz respeito ao Estatuto do Idoso, não pode o cônjuge invocar as prerrogativas desta lei para se eximir de obrigação de cunho trabalhista.
Nego provimento.
IMPENHORABILIDADE DE BEM DA FAMÍLIA
Alegam os agravantes que possuem somente o imóvel penhorado, aduzindo que este lhes serve de moradia, motivo pelo qual não pode sofrer constrição judicial, nos termos do artigo 6.º da CRF.
Equivocam-se totalmente.
Verifica-se que as alegações constituem em inovações recursais, porquanto não foram suscitadas em primeira instância. Além do que, observa-se que os agravantes desconhecem o teor do artigo 6.º da CRF, já que não houve a penhora do imóvel, mas dos aluguéis do bem. Além disto, não restou demonstrado nos autos que os agravantes possuem um único imóvel que lhes serve de moradia.
Nego provimento.
JUSTIÇA GRATUITA
Requerem os agravantes que lhes seja concedido o benefício da justiça gratuita, ao fundamento de que as declarações juntadas aos autos comprovam o estado de miserabilidade deles.
Razão não lhes assiste.
A matéria relativa à Justiça Gratuita vem regulada nos artigos 790, § 3.°, e 790-A da CLT, com alteração dada pela Lei n.° 10.357, de 27 de agosto de 2002. Fixa o primeiro dispositivo que o benefício é devido "àqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família".
A análise do artigo citado demonstra que a justiça gratuita – que engloba o não-pagamento das custas processuais, estando o reclamante assistido ou não pelo sindicato da categoria – só se aplica, no campo juslaboral, ao empregado e não ao empregador, o que já afasta a pretensão dos agravantes.
Exceção a esta regra se encontra apenas no mencionado artigo 790-A, englobando "a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e respectivas autarquias e fundações públicas federais, estaduais ou municipais que não explorem atividade econômica" (inciso I), bem como o "Ministério Público do Trabalho" (inciso II), hipóteses em que certamente não se incluem os agravantes.
Mantenho a condenação ao pagamento das custas processuais.
Nego provimento.
Conheço o agravo de petição interposto e, no mérito, nego-lhe provimento. Custas, pelos agravantes, no importe de R$44,26, na forma do artigo 789-A, IV, da CLT.
CONCLUSÃO
Conheço o agravo de petição e, no mérito, nego-lhe provimento. Custas, pelos agravantes, no importe de R$44,26, na forma do artigo 789-A, IV, da CLT.
Fundamentos pelos quais,
ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Terceira Turma, à unanimidade, conhecer o agravo de petição e, no mérito, sem divergência, negar-lhe provimento. Custas, pelos agravantes, no importe de R$44,26, na forma do artigo 789-A, IV, da CLT.
Belo Horizonte, 22 de novembro de 2006
JUIZ BOLÍVAR VIÉGAS PEIXOTO – Relator.