30 de junho de 2009

Jurisprudência Tributária:Embargos à execução fiscal. Imóveis contíguos. Registro imobiliário distinto. Bem de família. Descaracterização.

APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO N. 2006.01.99.035493-7/MG

RELATOR(A): DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO

APELANTE: FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR: LUIZ FERNANDO JUCA FILHO

APELADO: VALDEMAR ANTONIO GALVAO E CONJUGE

ADVOGADO: JOSE ANTONIO DE FARIA

REMETENTE: JUIZO DE DIREITO DA 2A VARA CIVEL DA COMARCA DE GUAXUPE – MG

EMENTA

EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. IMÓVEIS CONTÍGUOS. REGISTRO IMOBILIÁRIO DISTINTO. BEM DE FAMÍLIA. DESCARACTERIZAÇÃO. PENHORA. POSSIBILIDADE.

1. A penhora de imóvel contíguo, autônomo, que não é utilizado como residência, não priva a família da dignidade que lhe é garantida pela norma.

2. O fato de os imóveis serem contíguos é irrelevante, pois a garantia da impenhorabilidade do bem de família restringe-se apenas àquele onde reside a família.

3. Remessa oficial e apelação da Fazenda Nacional a que se dá provimento.

ACÓRDÃO

Decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por maioria, dar provimento à remessa oficial e à apelação, nos termos do voto da Relatora.

Brasília/DF, 14 de abril de 2009.

Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso
Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO (RELATORA):

Este recurso de apelação foi interposto pela UNIÃO (FAZENDA NACIONAL) da sentença proferida pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Guaxupé/MG, que, nos autos dos Embargos à Execução Fiscal 2006.01.99.035493-7, julgou procedente o pedido da embargante, desconstituiu a penhora realizada e condenou a embargada ao pagamento dos honorários advocatícios arbitrados em 15% do valor dos embargos (fls. 35/36).

O Magistrado de origem asseverou que o que gera direitos são os fatos e, no caso versado, eles tornam inconteste que a casa e plantações da residência dos embargantes englobam os dois terrenos penhorados, que formam uma só unidade

Houve remessa oficial.

Sustenta a apelante que os embargantes não lograram êxito em demonstrar que o bem, objeto de constrição, esta albergado pela Lei n. 8.009/90, por que nele não residem, apenas dele utilizam para deleite próprio, por que assim lhes apetece, podendo dele se desvincular até mesmo por interesse econômico próprio, sem prejuízo do conforto familiar protegido pela norma acima citada.

Alega ainda que os honorários de sucumbência deverão ser fixados, se eventualmente vencido o INSS, no percentual de 5% do valor atribuído aos embargados, com fulcro na norma do §4º, do art. 20 do CPC, eis que esta Autarquia concordou com parte dos objetivos dos embargantes, antes de prolatada a r. decisão a quo, ora parcialmente atacada, ao assentir com a desconstituição da penhora sobre o bem registrado sob o n. 5.321.

Por tais razões, requer a reforma da sentença.

Em suas contrarrazões, a apelada requer a manutenção da sentença (fls. 42/43).

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO (RELATORA):

Waldemar Antônio Galvão e Norma da Cunha Galvão opuseram embargos à execução fiscal proposta originalmente pelo Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS, agora representado pela Procuradoria da Fazenda Nacional, alegando a impenhorabilidade dos imóveis penhorados, tendo em vista serem bens de família.

O magistrado sentenciante fundamentou a procedência do pedido nos seguintes termos:

[…]

É que a Lei não possui letras mortas e, se também menciona as plantações que existem na residência da família, caso de jardim e pomar da casa, obviamente que é porque a intenção do Legislador era da mesma forma torná-los impenhoráveis, pouco importando, para tanto, se houve ou não unificação de matrículas em caso de terrenos contíguos, pois o que gera direitos são os fatos e, no caso versado, eles tornam inconteste que a casa e plantações da residência dos embargantes englobam os dois terrenos penhorados, que formam uma só unidade.

[…].

A apelante alega que os imóveis são distintos, cada um com número próprio de matrícula no cartório de registro de imóveis, e que a impenhorabilidade só atinge o imóvel onde está construída a residência da família.

Do exame das argumentações e documentos colacionados pelas partes, há plausibilidade nos argumentos da apelante.

Não obstante os fundamentos adotados na sentença, o imóvel onde se encontra pomar e jardim não está resguardado pela impenhorabilidade.

A Lei 8.009/1990 preceitua, no art. 1º, as hipóteses da impenhorabilidade dos bens de família, nos seguintes termos:

Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

In casu, o referido imóvel possui matrícula própria no Cartório de Registro de Imóveis, diversa do outro imóvel onde está estabelecida sua residência, sendo, portanto, autônomo.

Constituem, assim, dois imóveis distintos, com usos diversos: um a sede da residência da família, logo, atingido pela impenhorabilidade; e o outro, o que contém apenas pomar e jardim. O fato de serem contíguos é irrelevante, pois a garantia da impenhorabilidade do bem de família restringe-se apenas a um imóvel, aquele onde reside a família.

O legislador, ao determinar a hipótese de impenhorabilidade de bens de família, visou proteger e preservar a instituição célula mater da sociedade. Não buscou manutenção do patrimônio do devedor.

A penhora do outro imóvel, autônomo, que não é utilizado como residência, sequer servindo de sustento à família, com pomar e jardim, não priva a família da dignidade que lhe é garantida pela norma.

Outro não é o entendimento desta Corte, conforme julgado que ora colaciono:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. INEXISTÊNCIA DE FRAUDE À EXECUÇÃO. LOTES CONTÍGUOS. BEM DE FAMÍLIA. LEI 8.009/90. PENHORABILIDADE DAQUELE ONDE NÃO ESTÁ EDIFICADA A RESIDÊNCIA.

1. Não ficou caracterizada fraude à execução, visto que o terreno em questão foi adquirido bem antes da propositura da ação.

2. Não podem ser penhorados os bens de família assim considerados nos termos da Lei 8.009/90, "o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados".

3. O fato de os lotes serem adjacentes não torna impenhorável aquele onde não está situada a residência do agravante, já que podem ser apartados sem acarretar descaracterização à parte residencial do imóvel. Precedentes jurisprudenciais.

4. Agravo de instrumento não provido. (AG 1999.01.00.074800-2/MG, 3ª Turma Suplementar, Relator Juiz Federal Convocado Carlos Alberto Simões de Tomaz, DJ de 03/04/2003, p.103)

Ante o exposto, dou provimento à remessa oficial e à apelação, determinando que os autos retornem ao Juízo a quo para regular processamento do feito e apreciação da matéria quanto à ilegitimidade passiva ad causam.

É como voto.

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO (RELATORA):

Este recurso de apelação foi interposto pela UNIÃO (FAZENDA NACIONAL) da sentença proferida pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Guaxupé/MG, que, nos autos dos Embargos à Execução Fiscal 2006.01.99.035493-7, julgou procedente o pedido da embargante, desconstituiu a penhora realizada e condenou a embargada ao pagamento dos honorários advocatícios arbitrados em 15% do valor dos embargos (fls. 35/36).

O Magistrado de origem asseverou que o que gera direitos são os fatos e, no caso versado, eles tornam inconteste que a casa e plantações da residência dos embargantes englobam os dois terrenos penhorados, que formam uma só unidade

Houve remessa oficial.

Sustenta a apelante que os embargantes não lograram êxito em demonstrar que o bem, objeto de constrição, esta albergado pela Lei n. 8.009/90, por que nele não residem, apenas dele utilizam para deleite próprio, por que assim lhes apetece, podendo dele se desvincular até mesmo por interesse econômico próprio, sem prejuízo do conforto familiar protegido pela norma acima citada.

Alega ainda que os honorários de sucumbência deverão ser fixados, se eventualmente vencido o INSS, no percentual de 5% do valor atribuído aos embargados, com fulcro na norma do §4º, do art. 20 do CPC, eis que esta Autarquia concordou com parte dos objetivos dos embargantes, antes de prolatada a r. decisão a quo, ora parcialmente atacada, ao assentir com a desconstituição da penhora sobre o bem registrado sob o n. 5.321.

Por tais razões, requer a reforma da sentença.

Em suas contrarrazões, a apelada requer a manutenção da sentença (fls. 42/43).

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO (RELATORA):

Waldemar Antônio Galvão e Norma da Cunha Galvão opuseram embargos à execução fiscal proposta originalmente pelo Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS, agora representado pela Procuradoria da Fazenda Nacional, alegando a impenhorabilidade dos imóveis penhorados, tendo em vista serem bens de família.

O magistrado sentenciante fundamentou a procedência do pedido nos seguintes termos:

[…]

É que a Lei não possui letras mortas e, se também menciona as plantações que existem na residência da família, caso de jardim e pomar da casa, obviamente que é porque a intenção do Legislador era da mesma forma torná-los impenhoráveis, pouco importando, para tanto, se houve ou não unificação de matrículas em caso de terrenos contíguos, pois o que gera direitos são os fatos e, no caso versado, eles tornam inconteste que a casa e plantações da residência dos embargantes englobam os dois terrenos penhorados, que formam uma só unidade.

[…].

A apelante alega que os imóveis são distintos, cada um com número próprio de matrícula no cartório de registro de imóveis, e que a impenhorabilidade só atinge o imóvel onde está construída a residência da família.

Do exame das argumentações e documentos colacionados pelas partes, há plausibilidade nos argumentos da apelante.

Não obstante os fundamentos adotados na sentença, o imóvel onde se encontra pomar e jardim não está resguardado pela impenhorabilidade.

A Lei 8.009/1990 preceitua, no art. 1º, as hipóteses da impenhorabilidade dos bens de família, nos seguintes termos:

Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

In casu, o referido imóvel possui matrícula própria no Cartório de Registro de Imóveis, diversa do outro imóvel onde está estabelecida sua residência, sendo, portanto, autônomo.

Constituem, assim, dois imóveis distintos, com usos diversos: um a sede da residência da família, logo, atingido pela impenhorabilidade; e o outro, o que contém apenas pomar e jardim. O fato de serem contíguos é irrelevante, pois a garantia da impenhorabilidade do bem de família restringe-se apenas a um imóvel, aquele onde reside a família.

O legislador, ao determinar a hipótese de impenhorabilidade de bens de família, visou proteger e preservar a instituição célula mater da sociedade. Não buscou manutenção do patrimônio do devedor.

A penhora do outro imóvel, autônomo, que não é utilizado como residência, sequer servindo de sustento à família, com pomar e jardim, não priva a família da dignidade que lhe é garantida pela norma.

Outro não é o entendimento desta Corte, conforme julgado que ora colaciono:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. INEXISTÊNCIA DE FRAUDE À EXECUÇÃO. LOTES CONTÍGUOS. BEM DE FAMÍLIA. LEI 8.009/90. PENHORABILIDADE DAQUELE ONDE NÃO ESTÁ EDIFICADA A RESIDÊNCIA.

1. Não ficou caracterizada fraude à execução, visto que o terreno em questão foi adquirido bem antes da propositura da ação.

2. Não podem ser penhorados os bens de família assim considerados nos termos da Lei 8.009/90, "o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados".

3. O fato de os lotes serem adjacentes não torna impenhorável aquele onde não está situada a residência do agravante, já que podem ser apartados sem acarretar descaracterização à parte residencial do imóvel. Precedentes jurisprudenciais.

4. Agravo de instrumento não provido. (AG 1999.01.00.074800-2/MG, 3ª Turma Suplementar, Relator Juiz Federal Convocado Carlos Alberto Simões de Tomaz, DJ de 03/04/2003, p.103)

Ante o exposto, dou provimento à remessa oficial e à apelação, determinando que os autos retornem ao Juízo a quo para regular processamento do feito e apreciação da matéria quanto à ilegitimidade passiva ad causam.

É como voto.

VOTO VOGAL

VENCIDO

O DESEMBARGADOR FEDERAL LEOMAR AMORIM: Senhora Presidente, peço vênia a Vossa Excelência para divergir. O parágrafo único do art. 1º da Lei 8.009/90, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família estabelece o seguinte: "A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, os móveis que guarnecem a casa desde que quitados". Já aqui, em outros casos temos, seguindo a jurisprudência que interpreta essa norma e atendendo aos fins sociais da lei, ampliado esse conceito de bem de família para várias outras situações, inclusive, no caso, na assentada passada, da sepultura da família, ou seja, local onde os restos mortais dos familiares são depositados. A Turma entendeu encontrar-se na cláusula de impenhorabilidade do bem de família a impenhorabilidade da sepultura.

No caso, pelo que examinei, há dois terrenos, um onde houve a edificação, um terreno com benfeitoria edificado com 250 metros quadrados; e o terreno contíguo, sem edificação, também com 250 metros quadrados O argumento utilizado pelo juiz para estender a exclusão da penhora a esse terreno contíguo foi o de que as plantações e benfeitorias que o embargante realizou nesse terreno contíguo aderem à residência principal, onde está a casa sede, onde está a residência.

Entendo plausível e razoável essa interpretação em razão de que pelas provas dos autos, inclusive certificação do oficial de justiça, que, em princípio, merece fé pública, esse terreno é usado como garagem, nele o embargante realiza plantações e há um pomar. O juiz nas razões de decidir aduziu o seguinte: "É que a lei não possui letras mortas e se também menciona as plantações que existem na residência da família, casa de jardim e pomar da casa, obviamente que é porque a intenção do legislador era da mesma forma torná-los impenhoráveis, pouco importando para tanto se houve ou não unificação de matrículas em caso de terrenos contíguos, pois o que gera direitos são os fatos e, no caso versado, eles tornam inconteste que a casa e as plantações da residência dos embargantes englobam os dois terrenos penhorados que forma uma só unidade."

Esclareço que a função da jurisprudência é de contornar esses óbices que às vezes a norma cria. A jurisprudência tem a função de preencher, em caráter integrativo, as normas quando elas contêm lacunas e quando elas não prevêm todas as hipóteses fenomênicas que a realidade empírica impõe ao julgador. Por mais sábio que seja o legislador, ele jamais conseguirá preencher todas as hipóteses da realidade fenomênica.

No caso específico, entendo que o fato de o terreno contíguo está sendo utilizado pelos embargantes, onde possuem benfeitorias, tais como plantações e mesmo o uso como garagem, o imóvel, em razão deste aspecto, deve ser considerado como bem de família.

O só fato de este imóvel estar registrado em matrícula distinta da do outro imóvel, contíguo, onde há a edificação da casa, a meu ver, não descaracteriza o conceito de bem de família, uma vez que, como já disse, a jurisprudência ao longo do tempo tem ampliado esse conceito exatamente em razão da ampla factualidade que se apresenta ao julgador. Com essas considerações, pedindo vênia a Relatora, nego provimento à apelação e à remessa oficial, mantida a sentença.