2 de outubro de 2017
2ª Vara de Registros Públicos de São Paulo decide sobre responsabilidade administrativa de notários e registradores
A 2ª VRP/SP decidiu, por meio de decisão publicada na edição de ontem (26.09.2017), dos Classificadores INR SP, depois de muito bem apresentar as teses atualmente advogadas a respeito do assunto, que a responsabilidade administrativa de notários e registradores deve estar estribada, quando menos, na culpa desses agentes delegados.
Esta a ementa que foi dada pela Equipe INR à sentença:
“Sentença – Processo Administrativo – Expedição de carta de sentença notarial irregular pelo não cumprimento do item 216, incisos IV e V, do Capítulo XIV, das NSCGJ – Tabelião que assumiu a responsabilidade pela irregularidade realizada pelo preposto – Preposto que fora dispensado, tendo em vista outras irregularidades cometidas – Existência de corrente que advoga no sentido da incidência da responsabilidade objetiva disciplinar dos titulares de delegação – Responsabilidade administrativa que surge com a existência de conduta ilícita no aspecto dos deveres administrativos – Não configuração de conduta dolosa ou culposa por parte do tabelião apta a ensejar sua responsabilização – Improcedência.”
E estes os excertos da decisão que merecem amplo destaque:
“Tenho a compreensão da responsabilidade administrativa-disciplinar ter por fundamento a culpa; assim, ausente culpa, está excluída a possibilidade da imposição de sanção administrativa. A situação é desafiadora, posto que o exagero desse entendimento, de um lado, poderia redundar na impossibilidade de punição administrativa do Titular da Delegação quando o equívoco for praticado por preposto sem a participação daquele.
De outro, poderia haver o entendimento que todo erro havido no serviço delegado decorreu da inadequada orientação e fiscalização, daí que sempre haveria responsabilização administrativadisciplinar do Titular. Esse é um falso conflito, em virtude da solução dessa questão desde a aplicação das teorias acerca da relação de causalidade para o fim de estabelecer a extensão da responsabilidade disciplinar.
Os precedentes desta Corregedoria Permanente foram se formando a partir do constante ir e vir entre o fato e a norma, na busca de um paradigma a ser aplicado a todos os Oficiais e Tabeliães, segundo critérios de razoabilidade e proporcionalidade, guiados pelo direito fundamental, também direito humano, do devido processo legal. Os precedentes fixaram a possibilidade da responsabilização disciplinar do Oficial ou Tabelião somente no caso da possibilidade de comportamento (culposo) com aptidão para impedir ato contrário ao ordenamento jurídico (erro praticado pelo Titular ou preposto).
Assim, ocorrendo erro de preposto, que poderia ser evitado com a orientação e ou fiscalização do Titular da Delegação, ocorre sua responsabilização administrativa-disciplinar; a exemplo de equívocos repetidos, situações perceptíveis com um mínimo de diligência e erros crassos que denotem clara falta de orientação ou fiscalização.
De outra parte, ocorrendo equívoco do preposto, o qual foi corretamente orientado e fiscalizado, ato doloso do serventuário ou ainda um erro isolado e sem maior repercussão, tenho aplicado o entendimento da insuficiência para configuração do ilícito administrativo do Registrador ou Tabelião em virtude da ausência de culpa e gravidade, respectivamente.
No presente caso, havia a confiança do Sr. Tabelião que suas orientações seriam seguidas, bem como sistema de controle. Não obstante, houve o equívoco na expedição da carta de sentença notarial. Assim, o Sr. Tabelião adotou os comportamentos fixados no ordenamento jurídico numa esfera de previsibilidade; portanto, qual seria o fundamento para sua punição? O único paradigma de responsabilização do Sr. Tabelião é a compreensão da incidência da responsabilidade objetiva disciplinar dos Titulares de Delegação. E aqui, a questão recebe contornos interessantes, pois os precedentes da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, órgão hierarquicamente superior a esta Corregedoria Permanente, são no sentido da possibilidade da responsabilidade objetiva disciplinar e, por consequência, a aplicação de sanção administrativa ao Sr. Tabelião.
Até 2012, os precedentes seguiam a responsabilidade disciplinar fundada na culpa. A partir do processo n. 14.970/2012, a Egrégia Corregedoria Geral da Justiça passou a aplicar a responsabilidade disciplinar objetiva. Depois disso, houve diversos precedentes que permanecem, a exemplo do recente Recurso Administrativo n. 0022088-39.2016.8.26.0562, j. 21.07.2017. No esteio do entendimento da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça (responsabilidade disciplinar objetiva), houve ainda o MS n.° 2207878-70.2014.8.26.0000, rel. Des. João Carlos Saletti, j. 27.5.2015, e o MS n.° 2225875-32.2015.8.26.0000, rel. Des. Antonio Carlos Villen, j. 04.05.2016; julgados pelo Colendo Órgão Especial. Insta salientar a existência de precedente anterior diverso (de responsabilidade disciplinar subjetiva), também do Colendo Órgão Especial, no MS n.° 0002389-07.2013.8.26.0000, rel. Des. Enio Zuliani, j. 24.07.2013.
(…)
Em grande parte, respeitosamente, a fundamentação dos precedentes administrativos acima mencionados passa pela aproximação da responsabilidade civil com a disciplinar. Essa proposição, eventualmente, é passível de confrontação científica, porquanto a estrutura e função dos pressupostos da responsabilidade civil e da responsabilidade administrativa disciplinar são absolutamente diversos.
(…)
Estabelecidas essas premissas, passo a expor as razões pelas quais, pela primeira oportunidade, respeitosamente, deixo de seguir os precedentes da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça; porquanto contrários à minha convicção pessoal.
(…)
Afastando a possibilidade da responsabilidade administrativa-disciplinar objetiva, foi a recente decisão da Câmara Especial do Tribunal de Justiça, no Recurso Administrativo nº 0048142-07.2015.8.26.0100, j. 07.08.2017, como se observa do seguinte extrato do voto do Desembargador Salles Abreu, Presidente da Seção de Direito Criminal, como segue:Há de se observar a concorrência de elementos objetivo e subjetivo para a caracterização da infração disciplinar do notário. Ou seja, a conduta havida por infração disciplinar ou funcional, deve-se observar uma conduta dolosa ou culposa do notário ou seu preposto, observando-se, neste último caso, uma falha no dever de cuidado na verificação da legalidade e legitimidade do ato. Mais que isto, a responsabilidade administrativa somente surge com a existência de uma conduta ilícita no aspecto dos deveres administrativos, sendo certo que tal qualificação da ilicitude não pode ser irrazoável ou mesmo fugir ao princípio da legalidade. Não se pode considerar ilícito administrativo a conduta que, em seu aspecto material e legal, não comporta nenhuma ilicitude conhecível de ofício, mas que tem seu regime de confronto vinculado à questão da eficácia ou ineficácia privada do ato, ou mesmo da aferição da divergência entre a vontade declarada e a vontade real do declarante.Embora a configuração do ilícito administrativo não se sujeite objetivamente ao princípio da tipicidade, não se pode esvaziar o conceito formal de culpa para se configurar a conduta culposa punível no âmbito administrativo.”
Para acessar a íntegra da sentença, que, aliás, já integra a Sala Temática denominada “Relação Administrativa entre Notários e Registradores e o Poder Delegante“, clique aqui.
Fonte: INR Publicações