18 de fevereiro de 2016

Jurisprudência: Direito empresarial. Certidões negativas e transformação de sociedade simples em empresarial.

Para efetuar o registro e o arquivamento de alteração contratual, a fim de promover a transformação de sociedade civil em empresária, não é exigível a apresentação de certidões negativas de débitos com o FGTS e com a União, exigindo-se, contudo, certidão negativa de débito com o INSS. Realmente, o Decreto-Lei n. 1.715/1979 e a Lei n. 8.036/1990 exigem, para o registro e o arquivamento de alteração contratual como a aqui analisada, a apresentação de certidões negativas de débitos com o FGTS e com a União. Ocorre que a Lei n. 8.934/1994 – que entrou em vigor posteriormente a esses mencionados diplomas normativos – estabeleceu, no parágrafo único do seu art. 37, que, para instruir os pedidos de arquivamento, além dos referidos nesse artigo (dentre os quais não constam certidões negativas de débitos com o FGTS ou com a União), “nenhum outro documento será exigido das firmas individuais e sociedades referidas nas alíneas a, b e d do inciso II do art. 32″. Nesse contexto, a Terceira Turma, no REsp 1.290.954-SC (DJe 25/2/2014), firmou entendimento no sentido de que Lei n. 8.934/1994 derrogou os dispositivos de leis anteriores que estabeleciam outras exigências para o arquivamento de atos societários nas Juntas Comerciais. No referido julgado, confrontou-se a Lei n. 8.934/1994 com as leis tributárias anteriores, identificando-se uma antinomia de segundo grau, em que há conflito entre os critérios cronológico e da especialidade. Concluiu-se, então, que há de prevalecer o critério cronológico, pois o enunciado normativo “nenhum outro documento será exigido”, contido na Lei n. 8.934/1994, tem conteúdo nitidamente derrogatório, excluindo a possibilidade de subsistirem leis anteriores em sentido contrário. Portanto, não mais subsistem as exigências de certidões negativas de débitos com o FGTS e com a União, porque previstas em leis anteriores (Decreto-Lei n. 1.715/1979 e Lei n. 8.036/1990). Prevalece, apenas, a exigência de certidão negativa do INSS, pois inserida na Lei n. 8.212/1991 por força da Lei n. 9.032/1995, que é posterior à Lei n. 8.934/1994. Além disso, cabe ressaltar que, de fato, o parágrafo único do art. 34 do Decreto n. 1.800/1996 afirma que, obrigatoriamente, para instruir os pedidos de arquivamento, “Nenhum outro documento, além dos referidos neste Regulamento, será exigido das firmas mercantis individuais e sociedades mercantis, salvo expressa determinação legal, reputando-se como verdadeiras, até prova em contrário, as declarações feitas perante os órgãos do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins”. Percebe-se, desse modo, que o Decreto foi bastante claro, diversamente da lei, quanto à possibilidade de se exigirem outros documentos por determinação legal. Deve-se indagar, entretanto, se o Decreto extrapolou as balizas da Lei. Ademais, uma interpretação sistemática dos arts. 32 da Lei n. 8.934/1994 e 11 da LC n. 123/2006 poderia conduzir ao entendimento de que não teria havido derrogação de dispositivos de leis anteriores à Lei n. 8.934/1994. Todavia, o entendimento do aludido REsp 1.290.954-SC, da Terceira Turma do STJ, deve ser reafirmado. Isso porque a interpretação da lei deve privilegiar o sentido que mais se harmoniza com os princípios constitucionais, pois estes se encontram no vértice da pirâmide normativa, de onde emanam normas fundamentais que se irradiam por todo ordenamento jurídico, alcançando inclusive as relações jurídicas de direito privado. Com esse entendimento, a interpretação do caso em análise deve ser conduzida pelos princípios fundamentais da ordem econômica, especialmente o da livre iniciativa, previsto no art. 170 da CF. Sob a ótica da livre iniciativa, o Estado deve respeitar a autonomia de vontade dos sócios de uma sociedade, não podendo impedir que estes criem, modifiquem ou extingam sociedades empresárias, salvo nos casos expressamente previstos em lei. A regra no direito brasileiro, portanto, é a livre iniciativa e a autonomia da vontade dos sócios, sendo exceção a interferência estatal. Nesse passo, verifica-se que a norma do art. 37 da Lei n. 8.934/1994, ao impor exigências para a concretização da vontade dos sócios, apresenta natureza excepcional num sistema jurídico regido pela livre iniciativa, devendo, pois, receber interpretação restritiva. Desse modo, o trecho “nenhum outro documento será exigido” (art. 37, parágrafo único, da Lei n. 8.934/1994) não pode receber interpretação extensiva, para que se admitam outras restrições à autonomia de vontade dos sócios, previstas em leis anteriores. De mais a mais, ressalte-se que, além de a dispensa de certidões negativas não alterar em nada o crédito tributário – que permanece ativo, podendo ser redirecionado contra a nova sociedade (que surgiu por transformação da sociedade simples em sociedade empresária), conforme o disposto no art. 132 do CTN -, a Fazenda, nos casos excepcionais em que a transformação societária seja implementada com o objetivo deliberado de frustrar a satisfação do crédito tributário, poderá se valer da desconsideração da personalidade jurídica ou da cautelar fiscal para proteger seus interesses. REsp 1.393.724-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 28/10/2015, DJe 4/12/2015.

 

Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – N° 0573