28 de junho de 2018
Cartórios não podem registrar união poliafetiva, decide CNJ
A Constituição Federal reconhece apenas a existência de casais monogâmicos, por isso não é possível que cartórios registrem a união poliafetiva — relação estável com mais de duas pessoas. Assim entendeu o Conselho Nacional de Justiça ao proibir, nesta terça-feira (26/6), que cartórios façam o registro de uniões poliafetivas.
No julgamento, prevaleceu o voto do relator, ministro João Otávio de Noronha, que defendeu que atos notariais devem seguir o que está escrito na legislação. Para a maioria dos conselheiros, o documento atesta um ato de fé pública e implica o reconhecimento de direitos a receber herança ou previdência.
O CNJ foi acionado a pedido da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) contra dois cartórios de comarcas paulistas, em São Vicente e em Tupã, que teriam lavrado documentos de uniões estáveis poliafetivas.
O julgamento havia começado em abril, mas foi adiado após pedido de vista do conselheiro Aloysio Corrêa da Veiga e, em outra sessão, do conselheiro Valdetário Monteiro. Hoje, Monteiro acompanhou o voto de Noronha.
Competências
Na decisão, o CNJ determinou que as Corregedorias-Gerais de Justiça proíbam os cartórios de seus respectivos estados de lavrar escrituras públicas para registar uniões poliafetivas. De acordo com Noronha, as competências do CNJ se limitam ao controle administrativo, não jurisdicional, conforme estabelecidas na Constituição Federal.
A emissão desse tipo de documento, segundo ele, não tem respaldo na legislação e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que reconhece direitos a benefícios previdenciários, como pensões, e a herdeiros apenas em casos de associação por casamento ou união estável.
“Eu não discuto se é possível uma união poliafetiva ou não. O corregedor normatiza os atos dos cartórios. Os atos cartorários devem estar em consonância com o sistema jurídico, está dito na lei. As escrituras públicas servem para representar as manifestações de vontade consideradas lícitas. Um cartório não pode lavrar em escritura um ato ilícito como um assassinato, por exemplo”, afirmou o ministro.
Divergência
Ao final da votação, oito conselheiros votaram pela proibição do registro do poliamor em escritura pública. A divergência parcial, aberta pelo conselheiro Aloysio Corrêa da Veiga, teve cinco votos.
Para ele, escrituras públicas podem ser lavradas para registrar a convivência de três ou mais pessoas por coabitação sem, no entanto, equiparar esse tipo de associação à união estável e à família.
Tema controverso
A advogada e presidente da ADFAS, Regina Beatriz Tavares da Silva, diz que são inválidas das escrituras lavradas antes da recomendação liminar e da proibição definitiva desses documentos.
Segundo ela, “a Constituição Federal e o Código Civil impõem a monogamia no casamento e na união estável, de modo que uma família pode ser constituída por duas pessoas (ou seja, um casal), e não por três ou mais”. Regina diz que, “agora, nenhum cartório se atreverá a descumprir a lei, porque poderá receber as sanções respectivas”.
De acordo com Luiz Kignel, especialista em Direito de Família e sócio do PLKC Advogados, a determinação do CNJ é adequada porque o poliamor gera reflexos que ainda precisam ser resolvidos antes de instrumentos públicos criarem situações sociais novas.
“Como definir a meação em um patrimônio formado por três pessoas? Qual o regime de bens que prevalecerá quando o primeiro e o segundo conviventes tiverem um regime e o terceiro convivente buscar outro regime patrimonial? Quem será o provedor de alimentos no divórcio quando um dos conviventes dele necessitar?”, questiona.
Já para Hannetie Sato, especialista em Direito de Família do Peixoto & Cury Advogados, reconhecer essa forma de união é reconhecer o direito de diversos brasileiros que vivem nessa forma de composição familiar.
“O Brasil é um Estado laico, determinado na própria Constituição Federal, mas estamos vivendo um momento de forte pressão conservadora, muitas vezes por razões religiosas. Essa onda conservadora é um fato e que reflete tanto nas novas leis como nas decisões do Poder Judiciário”, avalia.
Além disso, as relações de poliamor crescem cada dia mais, segundo o advogado Lucas Marshall Santos Amaral, do Departamento de Direito de Família do Braga Nascimento e Zilio Advogados. “Concordando ou não, numa democracia, o ideal é o Estado apenas regular as relações sociais existentes, especialmente no âmbito familiar. E, nesse caso, mais ainda, em razão da liberdade do planejamento familiar e por se tratar de relações íntimas de afeto.”
O advogado, no entanto, reconhece que, do ponto de vista jurídico, a decisão do CNJ tem fundamento. “Realmente, o Direito ainda não dispõe de normas que aceitem essa situação, embora seja uma realidade”, analisou. Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.
*Notícia alterada às 17h35 e às 19h20 do dia 26/6/2018 para acréscimo de informações.
Fonte: Conjur