21 de maio de 2009
Jusrisprudência Civil: Mandado de Segurança. Tabelionato. Sanção de perda de delegação. Possibilidade de aplicação desde que observada a proporcionalidade
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 26.536 – SP (2008/0053031-0)
RELATOR: MINISTRO HUMBERTO MARTINS
RECORRENTE: LUVERCY CAMPIONI
ADVOGADO: RENATO LÚCIO DE TOLEDO LIMA E OUTRO(S)
RECORRIDO: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
EMENTA
ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – TABELIONATO – SANÇÃO DE PERDA DE DELEGAÇÃO – POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DESDE QUE OBSERVADA A PROPORCIONALIDADE.
A sanção de perda de delegação pode ser aplicada, desde que proporcionalmente, nos casos de grave violação do ordenamento jurídico pátrio.
Recurso ordinário em mandado de segurança improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça " A Turma por unanimidade, negou provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a). Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Eliana Calmon e Castro Meira votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 05 de maio de 2009(Data do Julgamento)
MINISTRO HUMBERTO MARTINS
Relator
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 26.536 – SP (2008/0053031-0)
RELATOR: MINISTRO HUMBERTO MARTINS
RECORRENTE: LUVERCY CAMPIONI
ADVOGADO: RENATO LÚCIO DE TOLEDO LIMA E OUTRO(S)
RECORRIDO: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (Relator):
Cuida-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto por LUVERCY CAMPIONI em face de acórdão lavrado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado:
"MANDADO DE SEGURANÇA – Tabelião – perda da delegação – processo administrativo regular e recurso não provido pela E. Corregedoria Geral de Justiça – artigo 236 da Constituição Federal, regulamentado pela Lei Federal n° 8.935/94, assegurou ao Poder Judiciário a competência para a fiscalização das atividades dos serviços notariais e de registro e, por conseguinte, também lhe assegurou a competência para a aplicação de penalidades às irregularidades que, verificadas no curso de tal poder de fiscalização, se façam necessárias, como no caso presente – ausência de vícios no ato atacado – segurança denegada." (fls. 123/129)
O recorrente interpôs embargos de declaração contra o citado acórdão (fls. 134/149), que ficou assim decidido:
"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – omissão, obscuridade e contradição – inocorrência – caráter infringente de julgado – inadmissibilidade – embargos rejeitados." (fls. 156/160)
O recorrente apresentou "recurso de apelação" (fls.164/183) que foi recebido pelo Tribunal a quo com recurso ordinário em mandado de segurança (fl. 197).
O Ministério Público Federal opinou pelo conhecimento e não-provimento do recurso. (fls. 202/207)
Determinei a intimação da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, a fim de, querendo, apresentasse contrarrazões do recurso ordinário. (fls. 209/211)
Aquela Procuradoria-Geral apresentou contrarrazões, alegando que o recurso não deve ser recebido, pois foram comprovadas as irregularidades praticadas pelo recorrente, e que a pena foi aplicada de forma proporcional. (fls. 222/224)
É, no essencial, o relatório.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 26.536 – SP (2008/0053031-0)
EMENTA
ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – TABELIONATO – SANÇÃO DE PERDA DE DELEGAÇÃO – POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DESDE QUE OBSERVADA A PROPORCIONALIDADE.
A sanção de perda de delegação pode ser aplicada, desde que proporcionalmente, nos casos de grave violação do ordenamento jurídico pátrio.
Recurso ordinário em mandado de segurança improvido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (Relator):
O recorrente alega a inexigibilidade da pena de perda da delegação, por entender que a correspondente conduta não foi listada na norma jurídica em questão. Adota o entendimento de que as sanções administrativas obedecem aos ditames da Teoria do Tipo Penal.
Alaga que para existir sanção deve haver a exata descrição da conduta, e não descrições genéricas. Não assiste razão ao recorrente, pois a gradação na aplicação da sanção é discricionária desde que observado o princípio da proporcionalidade.
O Capítulo VI que trata das Infrações Disciplinares e das Penalidades não deixa dúvida sobre a possibilidade de aplicação da sanção de perda da delegação, eis o texto:
"Art. 31. São infrações disciplinares que sujeitam os notários e os oficiais de registro às penalidades previstas nesta lei:
I – a inobservância das prescrições legais ou normativas;
II – a conduta atentatória às instituições notariais e de registro;
III – a cobrança indevida ou excessiva de emolumentos, ainda que sob a alegação de urgência;
IV – a violação do sigilo profissional;
V – o descumprimento de quaisquer dos deveres descritos no art. 30.
Art. 32. Os notários e os oficiais de registro estão sujeitos, pelas infrações que praticarem, assegurado amplo direito de defesa, às seguintes penas:
I – repreensão;
II – multa;
III – suspensão por noventa dias, prorrogável por mais trinta;
IV – perda da delegação.
Art. 33. As penas serão aplicadas:
I – a de repreensão, no caso de falta leve;
II – a de multa, em caso de reincidência ou de infração que não configure falta mais grave;
III – a de suspensão, em caso de reiterado descumprimento dos deveres ou de falta grave.
Art. 34. As penas serão impostas pelo juízo competente, independentemente da ordem de gradação, conforme a gravidade do fato.
Art. 35. A perda da delegação dependerá:
I – de sentença judicial transitada em julgado; ou
II – de decisão decorrente de processo administrativo instaurado pelo juízo competente, assegurado amplo direito de defesa.
§ 1º Quando o caso configurar a perda da delegação, o juízo competente suspenderá o notário ou oficial de registro, até a decisão final, e designará interventor, observando-se o disposto no art. 36. § 2º (Vetado).
Art. 36. Quando, para a apuração de faltas imputadas a notários ou a oficiais de registro, for necessário o afastamento do titular do serviço, poderá ele ser suspenso, preventivamente, pelo prazo de noventa dias, prorrogável por mais trinta.
§ 1º Na hipótese do caput, o juízo competente designará interventor para responder pela serventia, quando o substituto também for acusado das faltas ou quando a medida se revelar conveniente para os serviços.
§ 2º Durante o período de afastamento, o titular perceberá metade da renda líquida da serventia; outra metade será depositada em conta bancária especial, com correção monetária.
§ 3º Absolvido o titular, receberá ele o montante dessa conta; condenado, caberá esse montante ao interventor."
A pena de perda da delegação é residual, ou seja, não caracterizada qualquer das condutas menos graves descritas na norma jurídica acima, a sanção será aplicada. Quanto à possibilidade de aplicação, pode ser listado o seguinte precedente:
"ADMINISTRATIVO. NOTÁRIO. PERDA DA DELEGAÇÃO. PROCESSO DISCIPLINAR. RECURSO ADMINISTRATIVO. PARTICIPAÇÃO DOS PROLATORES DA DECISÃO RECORRIDA NO JULGAMENTO. IMPEDIMENTO. INEXISTÊNCIA. LEI 8.935/94. COMPETÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO PARA APLICAR PENALIDADES. ALTERAÇÃO DA PENALIDADE IMPOSTA ADMINISTRATIVAMENTE. REEXAME DAS PROVAS COLHIDAS DURANTE O PROCESSO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. MÉRITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça adotou posicionamento no sentido de que a regra de impedimento prevista no art. 134, III, do CPC, somente se aplica nos casos em que o magistrado tenha participado em outro grau de jurisdição em um mesmo processo judicial, e não quando a sua participação anterior tenha ocorrido na esfera administrativa.
2. Cabe ao Poder Judiciário a aplicação das penalidades previstas na Lei 8.935/94, diante da existência de comando expresso nessa lei, assim como no art. 236, § 1º, da Constituição Federal. Precedentes.
3. A realização de sindicância, por ser mera medida preparatória do processo disciplinar, é dispensável quando já existem elementos suficientes para a instauração do processo. Precedentes.
4. Consoante firme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no âmbito do controle jurisdicional do processo administrativo disciplinar, compete ao Poder Judiciário apreciar apenas a regularidade do procedimento, à luz dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, sendo-lhe vedado a incursão sobre o mérito do julgamento administrativo, em especial a revisão do conjunto probatório apurado no procedimento administrativo.
5. Segundo entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, sendo vedado ao Poder Judiciário a análise do mérito administrativo, a análise acerca de ofensa ao princípio da proporcionalidade na aplicação de sanção disciplinar a servidor deve levar em conta, também, eventual quebra do regramento legal aplicável ao caso, já que a mensuração da sanção administrativa faz parte do mérito administrativo.
6. O art. 34 da Lei 8.935/94 determina que as penas previstas no referido diploma legal ‘serão impostas pelo juízo competente, independentemente da ordem de gradação, conforme a gravidade do fato’.
7. Hipótese em que se mostra inviável a análise acerca de eventual ofensa ao princípio da proporcionalidade na aplicação da pena de perda de delegação imposta à recorrente, já que aplicada dentro dos limites que o art. 34 da Lei 8.935/94 faculta ao administrador e após regular procedimento administrativo em que restou comprovado que ela teria praticado diversos atos de natureza grave.
8. Recurso ordinário conhecido e improvido." (RMS 18.099/PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 2.5.2006, DJ 12.6.2006 p. 500.)
Não há qualquer dúvida, assim, sobre a possibilidade de aplicação da sanção aqui tratada. Deve ser ressaltado que, na forma republicana de governo, não há qualidades pessoais absolutas relacionadas à prestação se serviços públicos, sendo certo que até a vitaliciedade de alguns agentes públicos é relativa; magistrados e membros do Ministério Público podem, em determinados casos, perder os seus cargos.
Pretende o recorrente atribuir a sua delegação natureza jurídica somente compatível com a forma monárquica de governo, que foi categoricamente afastada pela norma que segue:
"Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."
Não há, no nosso ordenamento jurídico, agentes públicos intocáveis.
Ante o exposto, nego provimento ao persente recurso ordinário em mandado de segurança.
É como penso. É como voto.
MINISTRO HUMBERTO MARTINS
Relator
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA TURMA
Número Registro: 2008/0053031-0
RMS 26536 / SP
Números Origem: 1426010 2692006
PAUTA: 05/05/2009
JULGADO: 05/05/2009
Relator
Exmo. Sr. Ministro HUMBERTO MARTINS
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro CASTRO MEIRA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOSÉ FLAUBERT MACHADO ARAÚJO
AUTUAÇÃO
RECORRENTE: LUVERCY CAMPIONI
ADVOGADO: RENATO LÚCIO DE TOLEDO LIMA E OUTRO(S)
RECORRIDO: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
ASSUNTO: Administrativo – Cartório – Titularidade
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma por unanimidade, negou provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).
Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Eliana Calmon e Castro Meira votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 05 de maio de 2009
Documento: 878712
Inteiro Teor do Acórdão – DJ: 19/05/2009