19 de outubro de 2021
Informativo de Jurisprudência STJ 713 de 18/10/2021
1 – Processo:REsp 1.868.188-GO, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 28/09/2021.
Ramo do Direito:DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
Tema:Relação avoenga. Ação declaratória. Falecimento da autora. Cônjuge supérstite. Sucessão processual. Ilegitimidade. Direito personalíssimo.
Destaque:É intransmissível ao cônjuge sobrevivente a pretensão de ver declarada a existência de relação avoenga com o de cujus.
Informações do Inteiro Teor
De início, não é correto afirmar que a ação de estado, em que se veicula pretensão personalíssima, seja, sempre e obrigatoriamente, processualmente intransmissível aos herdeiros do falecido.
Com efeito, a doutrina bem diferencia as intransmissibilidades absolutas das relativas, sendo que, nessas últimas, os direitos personalíssimos (ou apenas as suas repercussões econômicas ou patrimoniais) são, mediante autorização legal, suscetíveis de transmissão e de defesa pelos herdeiros.
As regras jurídicas contidas no art. 1.606, caput e parágrafo único, do CC/2002, bem demonstram, pois, a possibilidade de uma ação de estado, de natureza personalíssima, ser transmissível aos herdeiros.
A despeito de a transmissibilidade das ações lato sensu ser a regra no sistema jurídico brasileiro (não por acaso, aliás, o art. 485, IX, do CPC/2015, afirma que ela não se dará apenas “por disposição legal”), não se pode olvidar que a transmissibilidade das ações de estado, especificamente, deve ser orientada por regra distinta, mais restritiva e excepcional, quer seja diante da veiculação de pretensões personalíssimas e que somente interessem ao sujeito que as intentou, quer seja para evitar a contínua judicialização das relações familiares, por infindáveis gerações.
Por esse motivo é que, respeitadas as posições em sentido contrário, não é admissível a interpretação extensiva do art. 1.606, parágrafo único, do CC/2002, segundo o qual “se iniciada a ação pelo filho, os herdeiros poderão continuá-la…”, a fim de que também às ações iniciadas pelos netos ou para outros descendentes em linha reta sejam igualmente transmissíveis aos herdeiros.
Diante desse cenário, o pedido de declaração da existência de relação avoenga efetivamente perdeu seu objeto pela superveniente ilegitimidade ad causam que decorre da intransmissibilidade legal da referida pretensão ao cônjuge sobrevivente da autora, devendo, quanto ao ponto, ser aplicada a regra do art. 485, IX, do CPC/2015.
2 – Processo:REsp 1.868.188-GO, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 28/09/2021.
Ramo do Direito:DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
Tema:Relação avoenga. Ação declaratória. Impossibilidade de julgamento. Petição de herança. Interesse jurídico. Existência.
Destaque:A impossibilidade do julgamento do pedido declaratório de relação avoenga não acarreta, necessariamente, a impossibilidade do julgamento do pedido de petição de herança.
Informações do Inteiro Teor
Cinge-se a controvérsia a saber se o pedido de petição de herança, formulado por suposta neta, que vem a falecer no curso do processo declaratório de relação avoenga, deve ter declarada automaticamente a perda superveniente do objeto ou a intransmissibilidade também desse pedido ao cônjuge sobrevivente ou se, ao revés, ele reuniria condições de prosseguimento de per se.
Deve ser afastada, desde logo, a intransmissibilidade da petição de herança, na medida em que se trata de ação real, universal e condenatória, razão pela qual é plenamente admissível a sucessão processual pelo espólio ou herdeiros na hipótese de falecimento de seu autor.
A esse respeito, aliás, basta verificar que se a relação avoenga houvesse sido reconhecida previamente ao ajuizamento da petição de herança, não existiria absolutamente nenhum óbice para que ela prosseguisse, após a morte da neta, mediante ingresso de seu cônjuge sobrevivente, na qualidade de seu sucessor processual.
Registra-se que a existência do vínculo de parentesco é logicamente antecedente e efetivamente subordinante da resolução de mérito da petição de herança, de modo que, ausente o vínculo, será naturalmente improcedente a petição de herança, ao passo que existente o vínculo, poderá ser procedente a petição de herança se presentes os seus demais requisitos ensejadores (como, por exemplo, viabilidade temporal do pedido (ausência de prescrição), existência de herança, etc.).
Na hipótese, o fato de ter havido a formulação cumulativa de pedido de declaração da relação avoenga e de pedido de petição de herança não retira a qualificação daquela como uma questão prejudicial, razão pela qual a impossibilidade de julgamento do pedido de declaração da relação avoenga por intransmissibilidade da ação (em caráter principal ou principaliter tantum) não pode impedir o exame dessa questão como fundamento da decisão da petição de herança (em caráter incidental ou incidenter tantum).
Sublinhe-se que não se está aqui sustentando que haveria extensão aos herdeiros, em especial aos cônjuges e companheiros, da legitimação para pleitear, em caráter principal, a declaração de existência de vínculos de parentesco entre falecidos, nem tampouco que poderiam eles propor petição de herança com fundamento em declaração incidental de existência de relação de parentesco não investigada em vida por quem preteritamente faleceu.
A solução apresentada é especificamente para uma singular situação, qual seja, em que um descendente não contemplado pelo art. 1.606, parágrafo único, do CC/2002, ajuíza, em vida, ação com pedido de natureza personalíssima e intransmissível (declaração de relação avoenga) cumulada com pedido condenatório transmissível (petição de herança) e vem a falecer no curso desta ação
3 – Processo:REsp 1.947.697-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 28/09/2021, DJe 01/10/2021.
Ramo do Direito:DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
Tema:Reintegração de posse. Comodato verbal. Comprovação do esbulho. Ciência inequívoca do intuito de reaver o imóvel. Notificação prévia do comodatário. Desnecessidade.
Destaque:É desnecessária a notificação prévia do comodatário para fins de comprovação do esbulho possessório quando verificada a ciência inequívoca do intuito de reaver o imóvel.
Informações do Inteiro Teor
Dispõe o art. 1.210 do CC/2002 que o possuidor tem direito a ser mantido na posse do bem em caso de turbação; restituído, no caso de esbulho; e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
Entretanto, para fins de deferimento da tutela possessória, incumbe ao autor da ação provar i) a sua posse; ii) a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; iii) a data da turbação ou do esbulho; e iv) a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração (art. 561 do CPC/2015).
Nos contratos de comodato firmados por prazo determinado, mostra-se desnecessária a promoção de notificação prévia – seja extrajudicial ou judicial – do comodatário, pois, logicamente, a mora constituir-se-á de pleno direito na data em que não devolvida a coisa emprestada, conforme estipulado contratualmente.
Ao revés, tem-se como essencial a prévia notificação para rescindir o contrato verbal de comodato, quando firmado por prazo indeterminado, pois, somente após o término do prazo previsto na notificação premonitória, a posse exercida pelo comodatário, anteriormente tida como justa, tornar-se-á injusta, de modo a configurar o esbulho possessório.
No caso, todavia, a despeito de o comodato ter-se dado por tempo indeterminado e de não ter havido a prévia notificação dos comodatários, não se pode conceber que estes detinham a posse legítima do bem. Isso porque o próprio ajuizamento de ação cautelar inominada por parte do espólio – que se deu anteriormente à propositura da própria ação possessória – já demonstrava esse intuito, mostrando-se a notificação premonitória uma mera formalidade, inócua aos fins propriamente pretendidos.
Destarte, verificada a ciência inequívoca dos comodatários para que providenciassem a devolução do imóvel cuja posse detinham em função de comodato verbal com a falecida proprietária, configurado está o esbulho possessório, hábil a justificar a procedência da lide.