26 de março de 2021
Jurisprudência do STJ – Informativo nº 0688 – Publicação: 15 de março de 2021
1 – Processo: REsp 1.877.738/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 09/03/2021, DJe 11/03/2021
Ramo do Direito: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
Tema: Inventário. Cumprimento de sentença. Crédito constituído em face de um dos herdeiros. Homologação da partilha. Penhora no rosto dos autos. Art. 860 do CPC/2015. Possibilidade. Art. 642, caput, do CPC/2015. Habilitação de credores do espólio no processo de inventário. Inaplicabilidade à hipótese dos autos.
Destaque: A homologação da partilha, por si só, não constitui circunstância apta a impedir que o juízo do inventário promova a constrição determinada por outro juízo.
Informações do Inteiro Teor
Cinge-se a controvérsia a verificar se é cabível, após a decisão homologatória da partilha, a efetivação de penhora no rosto dos autos do inventário para garantia de crédito objeto de execução movida por terceiro em face de um dos herdeiros.
O art. 860 do CPC/2015 prevê expressamente que a penhora é passível de ser levada a efeito em processo distinto daquele em que o crédito deveria, originariamente, ser satisfeito, podendo recair sobre os bens que forem adjudicados ou que vierem a caber ao executado.
Tratando-se de ação de inventário, este Tribunal Superior já se manifestou no sentido do cabimento da penhora no rosto dos autos quando se tratar de constrição que objetive atingir direito a ser atribuído a um dos herdeiros que figure na posição de executado.
Ocorre que, no particular, o juízo onde se processa a ação sucessória, após o recebimento do ofício que havia deferido o pedido de penhora em favor do recorrente, deixou de efetivar a constrição ao argumento de que essa somente seria cabível antes da realização da partilha, haja vista o disposto no art. 642, caput, do CPC/2015.
A norma invocada, todavia, versa exclusivamente acerca da habilitação de credores do espólio no processo de inventário, o que, de fato, pode ocorrer, a critério dos terceiros interessados, apenas até o momento da partilha.
A homologação da partilha, portanto, nos termos da do referido artigo, possui o condão de impedir, tão somente, que credores do espólio requeiram ao juízo do inventário o pagamento de dívidas contraídas pelo de cujus.
Assim, a homologação da partilha, por si só, não constitui circunstância apta a impedir que o juízo do inventário promova a constrição determinada por outro juízo.
2 – Processo:REsp 1.839.078/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 09/03/2021
Ramo do Direito: DIREITO EMPRESARIAL
Tema: Sociedade limitada. Aplicação supletiva das normas relativas às sociedades anônimas. Retirada voluntária imotivada de sócio. Art. 1.029 do CC. Possibilidade. Liberdade de não permanecer associado. Garantia constitucional. Omissão relativa à retirada imotivada na Lei n. 6.404/76 incompatível com a natureza das sociedades limitadas.
Destaque: É direito do sócio retirar-se imotivadamente de sociedade limitada regida de forma supletiva pelas normas da sociedade anônima.
Informações do Inteiro Teor
A questão controvertida diz respeito à possibilidade de o sócio retirar-se imotivadamente, nos termos do art. 1.029 do CC, de sociedade limitada regida de forma supletiva pelas normas relativas à sociedade anônima.
Nos termos do que dispõe o referido artigo do Código Civil, o sócio pode se retirar da sociedade de prazo indeterminado mediante simples notificação aos demais sócios. Trata-se de hipótese de retirada voluntária imotivada.
Este dispositivo, conquanto inserido no capítulo relativo às sociedades simples, é perfeitamente aplicável às sociedades de natureza limitada, conforme a jurisprudência deste Superior Tribunal, de modo que o sócio, também nesse tipo societário, tem o direito de se retirar de forma imotivada, sem que seja necessária, para tanto, a ação de dissolução parcial.
O presente caso, porém, apresenta a peculiaridade de ser a sociedade limitada supletivamente regida pelas normas aplicáveis às sociedades anônimas, conforme expressamente previsto no contrato social da recorrida, segundo reconhecido pelo Tribunal de origem.
Na linha do acórdão recorrido, o fato de a sociedade limitada ser regida supletivamente pela Lei das Sociedades Anônima afasta a possibilidade de retirada imotivada do sócio.
No entanto, a aplicação supletiva da Lei n. 6.404/76 não tem o condão de afastar o direito de retirada imotivada nas sociedades limitadas de prazo indeterminado.
Isso porque, em primeiro lugar, a própria Constituição Federal expressamente garante, em seu art. 5º, XX, tanto o direito fundamental de associação quanto a de não associação. Há, portanto, liberdade constitucionalmente garantida não apenas de se associar, mas também de não permanecer associado.
Em segundo lugar, a aplicação supletiva das normas relativas às sociedades anônimas, autorizada pelo parágrafo único do art. 1.053 do CC, apenas deve ocorrer naquilo que for compatível com o regramento das sociedades limitadas.
Nesse sentido, ausência de previsão na Lei n. 6.404/76 acerca da retirada imotivada não implica sua proibição nas sociedades limitadas regidas supletivamente pelas normas relativas às sociedades anônimas, especialmente quando o art. 1.089 do CC determina a aplicação supletiva do próprio Código Civil nas hipóteses de omissão daquele diploma.
Sendo assim, não havendo previsão específica na Lei n. 6.404/76 acerca da retirada imotivada, e sendo tal omissão incompatível com a natureza das sociedades limitadas, imperioso reconhecer a possibilidade de aplicação do art. 1.029 do CC.
Desse modo, ainda que o contrato social tenha optado pela regência supletiva da Lei n. 6.404/76, há direito potestativo de retirada imotivada do sócio na sociedade limitada em questão. E, tendo sido devidamente exercido tal direito, não mais se mostra possível a convocação de reunião com a finalidade de deliberar sobre exclusão do sócio que já se retirou.
3 – Processo: REsp 1.812.459/ES, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 09/03/2021.
Ramo do Direito: DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Tema: Herança jacente. Legitimidade ativa do juiz. Poderes de instauração e instrução do procedimento. Poder dever do magistrado.
Destaque: A abertura e o regular processamento da herança jacente constituem poder-dever do magistrado, sendo inadequado o indeferimento da petição inicial em virtude de irregular instrução do feito por qualquer dos outros legitimados ativos.
Informações do Inteiro Teor
O propósito recursal consiste em definir se a instauração do procedimento especial de herança jacente por um ente municipal, mas sem a devida instrução com os documentos indispensáveis, ainda que desatendida a intimação para emendar a petição inicial, enseja o indeferimento da exordial e, por conseguinte, a extinção do processo sem resolução do mérito.
A herança jacente, prevista nos arts. 738 a 743 do CPC/2015, é um procedimento especial de jurisdição voluntária que consiste, grosso modo, na arrecadação judicial de bens da pessoa falecida, com declaração, ao final, da herança vacante, ocasião em que se transfere o acervo hereditário para o domínio público, salvo se comparecer em juízo quem legitimamente os reclame.
A instauração desse procedimento pode ser intentada, consoante dispõem os arts. 720 e 722 do CPC/2015, por qualquer interessado, pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública e pela Fazenda Pública, bem como pelo juiz, de ofício, nos termos da exegese do art. 738 do CPC/2015, segundo o qual, “nos casos em que a lei considere jacente a herança, o juiz em cuja comarca tiver domicílio o falecido procederá imediatamente à arrecadação dos respectivos bens”.
A herança jacente excepciona, com isso, o princípio da demanda (inércia da jurisdição), tendo em vista que o CPC/2015 confere legitimidade ao juiz para atuar ativamente, independente de provocação, seja para a instauração do processo, seja para a sua instrução.
Não se instaurando o processo por iniciativa do próprio juiz, leva-se o fato ensejador da sua abertura (morte de alguém que deixe bens sem a existência de herdeiros ou sucessores) ao conhecimento do magistrado através da petição inicial, observando-se os arts. 319 a 321 do CPC/2015, que definem os elementos e documentos inerentes à exordial.
Entretanto, evidenciando-se alguma irregularidade sanável pelo julgador, impõe-se a intimação da parte autora/requerente para emendar a inicial (art. 321, caput, do CPC/2015), dirimindo o vício. Não atendida a contento a intimação, será o caso de indeferimento da petição inicial (art. 321, parágrafo único, c/c o art. 330, IV, ambos do CPC/2015), culminando na extinção do processo, sem resolução do mérito (art. 485, I, do CPC/2015).
No entanto, no caso específico da herança jacente, a regra disposta no art. 321 do CPC/2015 comporta mitigação, de forma que, mesmo que a parte autora não supra a mácula constatada, exige-se do juiz do domicílio do autor da herança, antes da prolação da sentença terminativa, a adoção de diligências mínimas, ao menos na comarca da sua jurisdição, a fim de elucidar os fatos imprescindíveis ao regular processamento do feito, oficiando-se as repartições públicas locais, os estabelecimentos que entender pertinentes, bem como a vizinhança do domicílio do falecido.
Isso porque a lei confere legitimidade ao próprio juiz para atuar ativamente no procedimento de herança jacente, independente de provocação, seja para iniciar o processo (art. 738 do CPC/2015), seja para instruir devidamente o feito, devendo, inclusive, diligenciar pessoalmente no lugar em que situados os bens a serem arrolados e expedir carta precatória a juízo de comarca diversa para a arrecadação dos bens nela situados.
Ademais, o diploma processual em vigor, visando assegurar a efetiva prestação jurisdicional, assenta o princípio da cooperação, passando a exigir a colaboração com o Poder Judiciário não só dos sujeitos do processo, mas também de terceiros e do Poder Público, conforme interpretação sistemática dos arts. 6º, 380 e 438 do CPC/2015.
Dessume-se, nesse contexto, que a efetiva instrução e o regular processamento da herança jacente constitui um poder-dever do magistrado, o qual, tendo ciência dos fatos ensejadores à abertura desse procedimento, seja por conta própria, seja por provocação, deve proceder ativamente, adotando as medidas mínimas necessárias e cabíveis.