28 de março de 2007

Jurisprudência – Superior Tribunal de Justiça

EMENTA

CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE ÁREA REGISTRADA. PRETENSÃO DE AMPLIAÇÃO EM CERCA DE QUATRO VEZES A ÁREA ORIGINAL. INDEFERIMENTO. CONCLUSÃO CALCADA NA INTERPRETAÇÃO DOS FATOS DA CAUSA. ILHA DE FLORIANÓPOLIS. AVANÇO SOBRE ÁREA FOREIRA NÃO TITULADA. RECURSO ESPECIAL. SÚMULA N. 7/STJ. LEI N. 6.015/1973, ART. 212, CC ANTIGO, ART. 860. I. Firmada a conclusão do Tribunal estadual sobre a impossibilidade do uso de ação de retificação de área quando a pretensão é a de ampliar a área original em cerca de quatro vezes sobre imóvel foreiro à União não titulado, a revelar intuito de substituir, indevidamente, a via própria do usucapião, a controvérsia recai em reexame fático, obstado pela Súmula n. 7 do STJ. II. Recurso especial não conhecido. (STJ – Resp nº 323.924 – SC – 4ª Turma – Rel. Min. Aldir Passarinho Junior – DJ 26.02.2007)

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, não conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Jorge Scartezzini, Hélio Quaglia Barbosa e Massami Uyeda. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha.

Brasília (DF), 12 de dezembro de 2006(Data do Julgamento)

MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR – Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Invest-Beach Investimento e Lazer de Praia Ltda. interpõe, pelas letras "a" e "c" do art. 105, III, da Constituição Federal, recurso especial contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, assim ementado (fl. 103):

"AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE ÁREA. MANEJO DO JUÍZO RETIFICATÓRIO COM O PROPÓSITO EVIDENTE DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE DE ÁREA NÃO TITULADA. IMPROCEDÊNCIA. ‘A área do imóvel somente poderá ser corrigida se estiver mencionada erroneamente no registro. Isso significa que o levantamento procedido deve ficar restrito à gleba limitada pelas divisas do imóvel. Por isso mesmo que o memorial descritivo que deve instruir a petição inicial tem que demonstrar que foram respeitadas tais divisas, que não foram elas ultrapassadas. A retificação de área não se presta à incorporação de novos terrenos à gleba primitiva, ultrapassando e ampliando as divisas e limites do imóvel originário. Não é a retificação forma de aquisição da propriedade imóvel. Tal aquisição se dá, segundo dispõe o Código Civil, pela acessão e usucapião (incisos II e III do art. 530).’ (Walter Cruz Swensson) RECURSO DESPROVIDO."

Alega a recorrente que a decisão violou os arts. 212 da Lei n. 6.015/1973 e 860 do antigo Código Civil, e divergiu da orientação de outros tribunais.

Aduz que as referenciadas normas legais asseguram-lhe o direito de promover a retificação do registro que não exprime a verdade, caso dos autos em que o pedido foi no sentido de ser retificada a área de um imóvel perfeitamente identificado, consoante planta e memorial descritivo juntados aos autos, com objetivo de "adequar as medidas e confrontações contidas na escritura de fl. 33 com a realidade apurada pelo levantamento topográfico realizado recentemente " (fl. 115, sic).

Salienta, mais, que todas as confrontações foram respeitadas e não houve expansão sobre os terrenos vizinhos, tanto que ninguém se opôs ao pedido, buscando-se, apenas, reparar erro material identificado no levantamento ulterior.

Invoca precedentes paradigmáticos.

Contra-razões pelo Ministério Público estadual, apontando o óbice da Súmula n. 7 do STJ, e afirmando que no caso pretende-se a incorporação patrimonial de excesso de área, o que não é possível em tal espécie processual.

O recurso especial foi admitido na instância de origem pelo despacho presidencial de fls. 134/135.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR (Relator): Discute-se no recurso especial, aviado pelas letras "a" e "c" do autorizador constitucional, sobre a possibilidade jurídica da presente ação de retificação de área promovida pela ora recorrente, por haver encontrado, segundo levantamento topográfico mais recente, medidas diversas das anteriores.

O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina negou o pleito, aos seguintes fundamentos (fls. 104/110), contidos em voto do eminente Desembargador Silveira Lenzi, verbis:

"O fundamento jurídico da retificação de registro imobiliário é encontrado no caput do art. 860 do CC:

‘Se o teor do registro de imóveis não exprimir a verdade, poderá o prejudicado reclamar que se retifique.’

O dispositivo em análise foi reproduzido, quase que literalmente, pelo art. 212 da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73):

‘Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o prejudicado reclamar sua retificação, por meio de processo próprio.’

Segundo Antônio Macedo de Campos, ‘a palavra retificar significa tornar reto e, por extensão, corrigir. Assim, retificar um registro é corrigir um registro válido, mas que se ressente de uma ou mais irregularidades.’ (Comentários à Lei de Registros Públicos, 3º vol., 1ª ed., Bauru, Editora Jalovi Ltda., 1977, p. 332).

Seguindo esta linha, Afrânio de Carvalho assinala que ‘a inexatidão do registro enseja, pois, ao titular do direito a faculdade de propor a ação de retificação , a fim de que o registro volte a refletir a situação jurídica real.’ (Registro de Imóveis, Rio de Janeiro, Forense, 1976, p. 173).

Razão assiste ao recorrente quando afirma que o manejo do procedimento de retificação não se prende a qualquer limite, de aumento ou diminuição, da área do imóvel cuja matrícula se pretende ver corrigida.

Nesse sentido, o STJ, em recente pronunciamento, assentou que ‘no procedimento de retificação, previsto nos artigos 213 e 214 da Lei de Registros Públicos, não importa a extensão da área a ser retificada, desde que os demais requisitos estejam preenchidos.’ (REsp n. 120.196 – MG, Terceira Turma, unânime, Min. Eduardo Ribeiro, julgado em 04.03.99, DJU 10.05.99).

Verifica-se, contudo, que a procedência do juízo retificatório prende-se à constatação de inexatidão entre os dados constantes no registro imobiliário e a real situação física do imóvel, hipótese inocorrente na espécie.

O imóvel em questão foi incorporado ao patrimônio da apelante, Invest Beach Investimento e Lazer de Praia Ltda., a título de integralização de capital, efetuada pelo sócio José Carlos Daux que, por sua vez, adquiriu de Anastácio José Nunes e sua mulher, Nereles Ramos Nunes, a propriedade descrita na matrícula n. 5.361 do Livro n. 2 do Cartório do 2º Ofício do Registro de Imóveis da comarca da Capital:

IMÓVEL: Um terreno, situado no distrito de São João do Rio Vermelho, no lugar Capivari, neste Município, com a área de 13.642,00 m2, com as seguintes medidas e divisas: frente ao travessão geral; fundos a estrada geral do Capivari, medindo frente e fundos 161,40m, lateral sul com Pedro Delfes Varella, mede 84,52m; lateral Norte com José Fidelis, mede 84,52m2, conforme levantamento topográfico o referido terreno as já citadas medidas, sendo os fundos a estrada geral do Capivari, no sentido São João do Rio Vermelho.’ (fl. 33).

Conforme relata a recorrente, procedendo ao levantamento topográfico desta área, verificou que possui, na realidade, as seguintes medidas e confrontações:

ÁREA: 51.116,14 m2

FRENTE, com 160,505 metros, com Rodovia SC 406; FUNDOS, com 109, 74 metros, com a Rua Manoel Graciliano Gomes; LATERAL SUL, com total de 369,574 metros, com terras de João Luciano Garcia e sua mulher, Isabel Garcia Marques e seu marido e Alaide Rita Garcia; LATERAL NORTE, com total de 390,394 metros, com terras de Henrique de Oliveira Castro e sua mulher.’ (cf. fl. 03; levantamento topográfico de fl. 35; e memorial descritivo de fl. 41).

Pela descrição do imóvel efetuada pela apelante, constata-se que o erro alegado não provém do registro, que retrata área certa, correspondente à propriedade adquirida.

O que pretende a recorrente, iniludivelmente, é adquirir, pela via da ação de retificação – furtando-se, assim, aos percalços decorrentes do ajuizamento de ação de usucapião na ilha de Florianópolis – a propriedade de área não titulada, cuja posse exerce sem qualquer oposição, o que é manifestamente inviável.

Os diversos procedimentos para a retificação do registro público constam no art. 213 da Lei de Registros Públicos:

Art. 213. A requerimento do interessado, poderá ser retificado o erro constante do registro, desde que tal retificação não acarrete prejuízo a terceiro.

§ 1º A retificação será feita mediante despacho judicial, salvo no caso de erro evidente, o qual o oficial, desde logo, corrigirá, com a devida cautela.

§ 2º Se da retificação resultar alteração da descrição das divisas ou da área do imóvel, serão citados, para se manifestar sobre o requerimento em dez dias, todos os confrontantes e o alienante ou seus sucessores, dispensada a citação destes últimos se a data da transcrição ou da matrícula remontar a mais de vinte anos.

§ 3º O Ministério Público será ouvido no pedido de retificação.

§ 4º Se o pedido de retificação for impugnado fundamentadamente, o juiz remeterá o interessado para as vias ordinárias.

§ 5º Da sentença do juiz, deferindo ou não o requerimento, cabe recurso de apelação com ambos os efeitos.’

Pouco importa, no caso, a inocorrência de impugnação de terceiros, nos termos do § 4º do dispositivo acima mencionado, se não há qualquer dissonância entre a área adquirida e o título. O que se evidencia pela pretensão da apelante é o desejo de incluir no registro extensa propriedade não titulada de terras, em desrespeito às confrontações – em todos os sentidos – mencionadas no seu registro de propriedade.

Sobre o assunto elucidativa a lição de Walter Cruz Swensson:

‘Entendem alguns que a retificação somente seria possível se a diferença a maior apurada for um percentual modesto em relação à área constante do registro a ser alterado.

Sucede, porém, que nem a Lei de Registros Públicos, em seu art. 213, nem o Código Civil (art. 860) estabelece tal limitação ou fixa percentual máximo para eventual acréscimo.

Basta que a área mencionada no registro esteja incorrreta para que o interessado esteja legitimado a pleitear sua retificação.

Mas é evidente que existe uma regra implícita em tais disposições legais que regulam a matéria. E essa regra é mais que óbvia. A área do imóvel somente poderá ser corrigida se estiver mencionada erroneamente no registro. Isso significa que o levantamento procedido deve ficar restrito à gleba limitada pelas divisas do imóvel. Por isso mesmo que o memorial descritivo que deve instruir a petição inicial tem que demonstrar que foram respeitadas tais divisas, que não foram elas ultrapassadas.

A retificação de área não se presta à incorporação de novos terrenos à gleba primitiva, ultrapassando e ampliando as divisas e limites do imóvel originário.

Não é a retificação forma de aquisição da propriedade imóvel. Tal aquisição se dá, segundo dispõe o Código Civil, pela acessão e usucapião (incisos II e III do art. 530).’ (grifei) (Retificação de Registro, São Paulo, RT, 1992, p. 17/18).

Colhe-se da jurisprudência deste Tribunal, acórdão paradigmático sobre o assunto em questão, da lavra do Des. Pedro Manoel Abreu:

Retificação de área. Pressuposto. Erro registral. Pretendida adição de excesso de área não titulada. Carência de ação. Extinção do processo. Recurso desprovido. O procedimento retificatório, previsto no art. 860 do Código Civil, regulado pelos arts. 212 e seguintes da Lei dos Registros Públicos, tem como pressuposto a verificação de erronia no registro, não sendo o remédio jurídico próprio para a adição de excesso de terra, ou de área possessória não titulada, posto que não se pode adquirir domínio por força exclusiva da transcrição, sendo necessário título válido.

Consoante a lição de Serpa Lopes, os arts, 212 e 213 da Lei dos Registros Públicos dizem com ‘uma desconformidade entre o estado jurídico exterior, aparente, com o real’ . Tal diferença, no entanto, não pode emanar de superveniente modificação do estado físico da coisa. O procedimento em apreço pressupõe erro de registro, como se expressa o cânone do art. 213 do diploma de regência.’ (ACV n. 39.519, de Balneário Camboriú, julgada em 17.11.95).

Julgados posteriores seguiram o mesmo norte:

Câmara Civil
Processo
Desembargador
Julgamento
 
Primeira ACV
n.49.884
Carlos Prudêncio
07.10.97
 
Primeira ACV
n.97.015903-0
Trindade dos Santos
10.12.98
 
Primeira ACV
n.98.006706-5
Carlos Prudêncio
08.09.98
 

Lucilva Pereira da Silva, em obra específica sobre decisões acerca de retificação de área, colaciona dez precedentes, de diversos tribunais do país, que assumem posições idênticas a que ora se defende: TJSP, fl. 17; TJPR, fl. 42; TJSP, fl. 75; TJSC, fl. 78; TJSC, fl. 108; TJSC, fl. 125; TJSP, fl. 134; TJPR, fl. 135; TJPR, fl. 160; TJPR, fl. 171/172 (in Julgados de Retificação de Área, Bauru, Edipro, 1995).

Maria Helena Diniz, por sua vez, ao discorrer sobre Registro de Imóveis, ilustra seus ensinamentos com julgados que inadmitem a retificação do registro quando o proprietário do imóvel pretende, através da ação prevista nos arts. 212 e 213 da Lei n. 6.015/73, alterar as divisas com o fim de adquirir a propriedade de área não titulada, de que é mero possuidor (Sistemas de Registros de Imóveis, São Paulo, Saraiva, 1992, p. 332, 333, 341, 342, 343, 344, 345, 346, 347).

Por fim, para espancar qualquer dúvida ainda restante acerca da improcedência do pedido retificatório do apelante, colhe-se precedente do Supremo Tribunal Federal:

Retificação de Registro Imobiliário. A retificação de que trata o art. 860 do Código Civil e o art. 212 da Lei de Registros Públicos diz respeito à corrigenda que se vincula ao título registrado. Se há aumento de área e não verificação de simples engano acerca da área, descabe o procedimento retificatório. Inadequação do meio de que se socorreram os recorrentes. Dissídio jurisprudencial não comprovado (Súmula 291). Recurso extraordinário não conhecido.’ (RE n. 89.149-SC, Segunda Turma, Unânime, Min. Djaci Falcão, julgado em 27.11.79, apud Jurisprudência Brasileira, vol. 159, p. 88)."

O aresto não merece reparo.

Como verificado no bem lançado voto, a discrepância entre a área presentemente registrada e a pretendida retificar é enorme, cerca de quatro vezes mais, o que retira, com a máxima vênia, qualquer presunção favorável à recorrente de que se cuide de mera corrigenda registral, e não se esteja a avançar sobre área não titulada, notadamente porque na Ilha de Florianópolis, os imóveis são foreiros à União. E esta particularidade foi destacada pelo acórdão a quo, lançando dúvida sobre a seriedade da pretensão, que parece ter propósito outro, o de evitar a via própria da ação de usucapião, bem mais complexa.

Ainda a acrescentar que a área registrada traz perfeitas confrontações, e, iniludivelmente, pela nova descrição das metragens formadoras do todo, muito maiores e divergentes do título aquisitivo (cf. sentença de fls. 64/65), a hipótese se assemelha à encontrada no Resp n. 590.981/MG, da 3ª Turma, cuja ementa diz:

"Processual civil. Recurso especial. Retificação de registro imobiliário. Acréscimo de área. Possibilidade. Ausência de impugnação dos interessados. Extensão da área não definida. – Com a retificação de registro de imóvel adquirido por venda ad corpus, é possível o acréscimo de área, desde que não haja impugnação dos demais interessados. Precedentes. – Contudo, é inadequada a utilização da retificação de registro quando o título aquisitivo indica a exata extensão do imóvel, informando área compatível com a constante no registro imobiliário, pois, nesta hipótese, a retificação implicaria em aquisição de propriedade, não sendo este seu objetivo. Recurso especial não conhecido." (Rela. Mina. Nancy Andrighi, unânime, DJU de 05.09.2005, p. 399)

Tais circunstâncias não têm como ser desconsideradas, de modo que a controvérsia, tal como posta nos autos, refoge à mera interpretação escoteira das normas legais, contendo forte contexto fático que não pode ser revisado pelo STJ, ante o óbice da Súmula n. 7.

O dissídio, portanto, além de atingido igualmente pelo mesmo verbete sumular, também se revela inservível, por não trazer a mesma peculiaridade sobre ser imóvel foreiro e cuidar-se de área não titulada.

Ante o exposto, não conheço do recurso especial.

É como voto.